Há uma nova guerra cultural a borbulhar na Coreia do Sul (que pode decidir as presidenciais)

고려 / Wikimedia

Lee Jun-seok tem ganhado capital político à boleia do movimento anti-feminista na Coreia do Sul

O crescimento do sentimento anti-feminista entre os homens mais jovens na Coreia do Sul tem-se começado a manifestar no plano político e este eleitorado pode decidir o resultado das eleições presidenciais de Março.

Em Julho de 2021, uma atleta de tiro ao arco sul-coreana foi atacada online e enfrentou pedidos de que as suas três medalhas de ouro lhe fossem retiradas porque tinha cabelo curto. A razão? Segundo os seus críticos, o corte de cabelo de An San sinalizava que era feminista.

Um site dedicado à prevenção do suicídio entre as mulheres mais jovens, cujas taxas têm subido com a pandemia, foi temporariamente desactivado devido aos ataques de grupos anti-feministas online que se queixaram de que a sua existência excluía os problemas dos homens.

Quando uma deputada condenou o crescimento do número de mulheres assassinadas pelos parceiros, o Presidente do segundo maior partido sul-coreano, o Partido Conservador do Poder Popular (PPP), acusou-a de retratar todos os homens como violentos e comparou a sua “incitação” ao anti-semitismo ou racismo.

Mas estes casos estão longe de ser isolados. Nos últimos tempos, têm-se multiplicado os relatos de situações semelhantes à boleia do crescimento de um movimento reaccionário anti-feminista entre os jovens adultos na Coreia do Sul.

Lee Jun-seok, o líder do PPP, tornou-se um dos rostos públicos deste movimento e garante que o seu partido venceu as eleições locais de Seoul e de Busan devido à fixação dos rivais do Partido Democrático (DP) — o partido do actual presidente do país — numa “agenda pró-mulher” e porque estes tinham “subestimado a participação dos homens na casa dos 20 e 30 anos”, cita o The Korea Herald.

Para o sociólogo Shin Jin-wook, Lee “apelou a um segmento inexplorado de homens jovens zangados que sentem que não têm representação” e tornou o “feminismo, em vez das falhas dos nossos líderes” no “bode expiatório” dos seus problemas.

“Apesar da misoginia online não ser nada de novo, Lee chegou e deu-lhes uma voz. Lee encorajou-os. Quando um político como Lee aparece e fala a língua deles, torna-se parte do discurso mainstream, ganha legitimidade e deixa de ser só um fenómeno online”, comenta o professor universitário.

O líder partidário refuta as acusações de sexismo, dizendo que acredita na igualdade de oportunidades e não na “igualdade de resultados forçada pelas quotas” e realçando que está a desafiar “as feministas radicais” e não as mulheres comuns.

Do seu lado, parece que a estratégia está a resultar. No fórum online FM Korea, um dos grupos responsáveis pelos ataques a An San, multiplicam-se as mensagens de apoio a Lee, com os membros a considerar que é o único político “com coragem de ir contra o feminismo, quando as feministas estão no topo da hierarquia na Coreia”.

Outro grupo é o New Men on Solidarity, cujo slogan é “o feminismo é uma doença mental”. O presidente revelou aos jornalistas em Junho que considerou a ascensão de Lee até líder dos conservadores “empoderadora” e “muito significativa”.

Os jogos eleitorais

Este movimento que começou online já se nota na vida real. Os manifestantes aparecem em protestos de mulheres contra a violência sexual, geralmente vestidos de preto, e insultam as activistas, descrevendo-as como “porcas feministas feias“.

“Fora com quem odeia homens! O feminismo é uma doença mental“, gritam as multidões ouvidas pelo The New York Times.

A luta nas ruas alia-se à luta nas redes, que se estende desde campanhas de boicote a empresas e críticas em massa a redes de supermercados que incluíram num anúncio um símbolo de dois dedos a beliscar que os anti-feministas acreditam que ridiculariza os genitais masculinos e que se assemelha ao logótipo de uma antiga comunidade feminista online que foi encerrada em 2017.

GS25, Musinsa

Anúncios que anti-feministas na Coreia do Sul consideram que ridicularizam a genitália masculina

Mas esta revolta não apareceu do nada. A desigualdade é um dos problemas mais enraizados na sociedade sul-coreana e os escândalos que abalaram o presidente Moon Jae-in, que foi acusado de nepotismo na escolha da sua Ministra da Justiça e de quebrar a sua promessa de criar “um mundo sem privilégios”, não têm ajudado.

O país está ainda a braços com uma subida a pique nos preços das casas no meio de acusações de que responsáveis das agências governamentais dirigidas à habitação usaram informações privilegiadas para se aproveitarem dos programas.

Perante um futuro incerto e sem nenhuma luz ao fundo do túnel, as feministas tornaram-se um alvo a abater para muitos jovens coreanos fartos das desigualdades e das divisões entre os filhos das elites e dos comuns mortais.

Os rivais políticos de Moon Jae-in e do DP estão a surfar nesta onda. O PPP está a apostar na captação dos votos de protesto ao prometerem reformar o Ministério da Igualdade de Género e da Família, que foi criado há 20 anos.

As eleições presidenciais na Coreia do Sul são Março e este eleitorado pode ser decisivo. Com o crescimento destes movimentos, nenhum candidato têm tornado os direitos das mulheres uma bandeira eleitoral, incluindo o próprio Moon, que se assumiu como feminista nas eleições que venceu há cinco anos.

Yoon Suk-yeol, o candidato do PPP, tem em Lee Jun-seok o seu braço direito e já acusou o Ministério da Igualdade de Género de tratar os homens como “potenciais criminosos sexuais”, prometendo punições mais duras para quem acusar falsamente homens de crimes sexuais.

A sua esposa também já se envolveu numa polémica ao dizer que as acusações do movimento #MeToo acontecem quando os homens não pagam às mulheres.

Este sentimento anti-feminista no país pode parecer até desconcertante, já que os números mostram outra realidade. A Coreia do Sul tem a maior desigualdade salarial entre géneros de todos os estados-membros da OCDE (32%) e menos de um quinto dos legisladores no país são mulheres.

Na lista da paridade de género do Fórum Económico Mundial, o país aparece em 102º lugar. Os crimes de pornografia ilegal com câmaras escondidas em casas de banho, escolas ou locais de trabalho são recorrentes e as mulheres são as principais vítimas. Cerca de 90% das vítimas de crimes violentos são também mulheres.

No entanto, a maioria dos homens jovens acreditam que o sexo marginalizado no país é o masculino. Uma sondagem de Maio concluiu que entre os rapazes sul-coreanos na casa dos 20 anos, quase 79% afirmou ser vítima de discriminação de género.

Uma divisão generacional

Apesar do sentimento anti-feminista ser dominante entre os mais jovens, os homens mais velhos têm outra visão.

As gerações mais antigas reconhecem que beneficiam de uma cultura patriarcal que marginalizava as mulheres — com a prioridade dada aos rapazes na continuação dos estudos, com as famílias até a proibir as mulheres de comer na mesma mesa que os homens e com as bebés a serem apelidadas “Mal-ja”, que significa “última filha”.

Com o crescimento económico do país, muitos destes rituais caíram. Agora, mais mulheres estudam nas Universidades do que homens e têm mais oportunidades no mercado de trabalho, apesar da progressão estar a ser lenta.

E se os homens mais velhos encaravam as mulheres como um grupo que precisava de mais poder e protecção, os jovens vêem nelas apenas competidoras num mercado de trabalho impiedoso e apontam o serviço militar obrigatório masculino como uma desvantagem, já que os obriga a começar a vida profissional mais tarde.

Mas as mulheres têm lutado contra esta onda anti-feminista. Desde 2018 que se têm unido e conseguiram afastar do poder figuras políticas que estavam acusadas de assédio sexual, incluindo o candidato presidencial Ahn Hee-jung.

A pornografia recolhida com câmaras escondidas também tem sido um alvo das feministas e os grupos conseguiram também uma vitória histórica com a descriminalização do aborto em 2021.

Com um país tão dividido, não é surpresa que a Coreia do Sul tenha ficado em primeiro lugar entre 28 nações num inquérito da Ipsos sobre a tensão entre os sexos. Resta-nos saber para que lado é que a balança vai cair nas eleições de Março.

Adriana Peixoto, ZAP //

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