Brexit. Reino Unido não pesca acordo com a França e protocolo da Irlanda pode causar guerra comercial com a UE

Andy Rain / EPA

Boris Johnson

O Brexit continua a dar dores de cabeça à União Europeia e ao Reino Unido. A França voltou a negociar a questão das pescas e os britânicos estão a ponderar activar o artigo 16 no protocolo da Irlanda do Norte, que suspende partes do acordo unilateralmente.

Sobre a pesca com a França, continua tudo em águas de bacalhau. Já a novela com a União Europeia por causa do protocolo da Irlanda do Norte pode estar prestes a conhecer novos capítulos importantes. Por estes dias, o Brexit está a causar muitas dores de cabeça em Downing Street.

Começando pela disputa com a França devido à pesca, a reunião entre os representantes dos dois países acabou sem acordo. Na quinta-feira, o Ministro do Brexit, Lord Frost, passou cerca de 90 minutos a conversar com o Ministro da Europa francês, Clément Beaune, em Paris.

Um porta-voz de Boris Johnson revelou que os britânicos não acreditavam que a França ia avançar com as ameaças feitas. No entanto, apesar de se mostrar aberto ao diálogo, Beaune não descartou a “opção de medidas de retaliação”.

Em causa está o período de transição até Junho de 2026, com a redução gradual das quotas de pesca do Reino Unido em águas da União Europeia e vice-versa. A França tem acusado os britânicos de já estarem a cortar o acesso das traineiras francesas às suas águas através da emissão de poucas licenças para os pescadores. A tensão cresceu na semana passada, com a França a apreender uma embarcação britânica e a multar uma outra por não terem autorização para pescar nas suas águas.

Paris chegou também a fazer um ultimato a Londres na quinta-feira: ou há mais licenças para os barcos franceses ou começariam já a proibir as embarcações inglesas de levarem frutos do mar aos seus portos. A mexida no fornecimento de energia à ilha de Jersey também foi posta em cima da mesa, com a França a afirmar que o Reino Unido “só entende a linguagem da força.

O Reino Unido respondeu dizendo que as licenças ao barco apreendido tinha sido retirado por motivos desconhecidos e que já emitiu 1700 licenças, considerando as ameaças da França “desapontantes e desprorporcionadas“.

A troca de galhardetes ameaçava continuar a subir de tom, até Emmanuel Macron ter apelado à calma e a mais negociações esta segunda-feira. Segundo o The Guardian, um porta-voz do governo britânico adiantou que Frost e Beaune “discutiram um leque de dificuldades que surgiram da aplicação dos acordos entre o Reino Unido e a União Europeia. Ambos os lados expuseram as suas posições e preocupações”.

Depois da reunião, o Ministro francês revelou aos jornalistas que a França estava descontente com a metodologia britânica. “Consideramos que as suas exigências são suplementares àquelas no acordo pós-Brexit. O que queremos agora é um espírito positivo dos britânicos, boa vontade para aceitaram as provas que demos. Queremos voltar ao espírito do acordo“, atirou.

Apesar de considerar que o encontro foi positivo, Beaune sublinhou que os ingleses tinham “novamente pedidos adicionais àquilo que está no acordo”. Para poderem pescar na área na zona entre seis a 12 milhas náuticas da costa das Ilhas Britânicas, os barcos franceses têm de provar que já tinham pescado na área no passado. Os ingleses justificam o número reduzido de licenças com o facto de muitas candidaturas não conterem essas provas.

“Não têm havido candidaturas feitas sem provas de actividade anterior, frequentemente até muito detalhadas. Não estamos a pedir algo em troca de nada“, refutou Beaune.

O Reino Unido mostra-se agora aberto a receber mais provas que demonstrem a actividade anterior, além dos registos de GPS, que alguns barcos mais pequenos não têm. Os diários de bordo e registos de atracamento vão agora ser incluídos, mas Londres continua a dizer que alguns barcos não apresentaram quaisquer provas. Beaune e Frost vão voltar a falar na próxima semana, provavelmente por telefone.

Reino Unido pondera activar artigo 16 do protocolo da Irlanda do Norte

A saga entre a União Europeia e o Reino Unido também ameaça causar uma guerra comercial. A imprensa britânica avança que o governo está a ponderar activar o artigo 16 do protocolo da Irlanda do Norte, o que pode romper de vez as negociações já complicadas com UE. O artigo prevê que partes do acordo seja suspensas unilateralmente caso estejam a causar dificuldades e obriga a novas negociações.

Em Julho, o governo britânico já estava a avisar que o limiar para a activação do artigo tinha sido alcançado e essa activação pode mesmo acontecer nas próximas semanas. O Reino Unido terá de provar que o protocolo está a causar “dificuldades económicas, sociais ou ambientais sérias” para poder avançar com a decisão.

“Não vamos entrar neste caminho gratuitamente ou com algum prazer em particular”, declarou Lord Frost em Outubro. O Ministro do Brexit defende que a obstrução das trocas comerciais entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte já é razão suficiente para justificar a suspensão do protocolo.

Na quarta-feira, o taiosech da Irlanda, Micheál Martin — cargo que corresponde ao primeiro-ministro — reagiu aos rumores, dizendo que seria “irresponsável e imprudente” o Reino Unido activar o artigo 16 e que a decisão teria “consequências vastas” e que não concordaria “com o espírito de parceria que guiou o processo de paz”.

As alíneas específicas que podem estar em causa não foram definidas, mas devem ser proporcionais e correspondentes aos danos causados e é provável que, neste caso, mexam com a suspensão das verificações dos bens trocados entre as ilhas.

No entanto, segundo o The Guardian, o impacto na práctica não deve ser muito, já que muitas das verificações já tinham sido unilateralmente suspensas pelo Reino Unido. Mas o receio é de que com o eventual processo de disputa com activação do artigo, o país vá mais longe e crie uma lei interna que remova o papel do Tribunal Europeu de Justiça na mediação do processo, algo que o artigo 16 em si não prevê.

Em Setembro de 2020, o governo já tinha admitido que ia “quebrar a lei internacional” numa “forma específica e limitada”, mas a ideia foi depois abandonada. Uma fonte de Whitehall também já tinha afirmado que Frost está “à procura de uma máquina do tempo” para reverter a decisão de Theresa May de 2017, que envolveu o Tribunal Europeu de Justiça no acordo do Brexit.

Esta acção também pode desencadear uma guerra comercial. A UE também já antecipa vários cenários e há quem equipare o uso de uma lei nacional afastar o Tribunal como equivalente ao rasgar do acordo, estando tudo ainda em aberto.

A ameaça da União Europeia em Janeiro de activar o artigo 16 durante as complicações com o fornecimento das vacinas já deu a entender que o protocolo do Brexit relativo à Irlanda do Norte pode ser usado como arma de arremesso noutros conflitos.

Apesar de haver receios de que a UE corte completamente o acordo comercial, Catherine Barnard, professora de Direito da UE, afirma que o bloco tem o poder para aumentar as tarifas nos produtos britânicos, como o salmão escocês e o whiskey.

Mesmo com as críticas de Frost, a decisão final está nas mãos de Boris Johnson. A disputa com a França já deu a entender o poder que um corte no comércio com a UE tem nos consumidores e nas redes de fornecimento, o que deve pesar na decisão do primeiro-ministro britânico.

Adriana Peixoto, ZAP //

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