Colégios GPS. Ministério Público recua e volta a acusar arguidos de peculato

USP

Os cinco arguidos do caso GPS estão acusados por crimes relacionados com uso indevido de dinheiro do Estado no âmbito de contratos para prestação de serviço público de educação.

O Ministério Público (MP) recuou e pede novamente a condenação por peculato dos cinco arguidos no processo dos colégios GPS, uma reviravolta criticada pela defesa, que deixou ainda acusações de conduta ilegal nas alegações finais do MP.

As alegações finais do caso dos colégios GPS decorreram ao longo de todo o dia no Campus de Justiça, em Lisboa, tendo ficado marcado para 25 de fevereiro de 2022 a leitura do acórdão do processo no qual cinco arguidos — todos administradores dos estabelecimentos escolares — estão acusados por crimes relacionados com uso indevido de dinheiro do Estado no âmbito de contratos para prestação de serviço público de educação.

O MP, que pediu a condenação e prisão dos arguidos por crimes de peculato, burla qualificada e falsificação de documentos, esteve representado pela procuradora Andreia Marques, autora da acusação, e que nas últimas sessões substituiu no acompanhamento do julgamento a procuradora Catarina Duarte, que na sessão inaugural tinha retirado as acusações por peculato.

A reviravolta na acusação esteve debaixo de críticas da defesa ao longo de todo o dia, com os advogados a dedicarem quase tanto tempo a atacar a mudança de posição do MP em pleno julgamento como a tentar contrariar as teses da acusação.

Revertendo a posição inicial, a procuradora do MP defendeu que a natureza dos contratos dos colégios com o Estado permite equiparar quem os executa ao estatuto de funcionário público, podendo por isso os arguidos serem acusados pelo crime de peculato.

Andreia Marques recusou ainda, ao contrário do argumentado pela procuradora inicial, que seja aplicável neste processo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocado como jurisprudência na primeira sessão para sustentar a queda da acusação por peculato.

A procuradora usaria ainda nas alegações finais declarações dos arguidos ainda em sede de inquérito, o que a defesa classificou como “conduta ilegal” e uma “inacreditável deslealdade”.

Não vale tudo”, disse Mário Diogo, advogado do arguido António Calvete, que acusou ainda o MP de ter feito um “exercício ziguezagueante” na acusação ao recuperar o crime de peculato.

Mário Diogo apontou ao MP uma “visão completamente errada” do grupo GPS, acusando os procuradores do Estado de ignorarem “a lógica inerente a um grupo económico”, partindo daí para justificar que os empréstimos e fluxos financeiros entre as empresas do grupo são um ato de gestão normal, que visaram ganhos de “economia de escala”.

Justificou ainda os gastos com viagens com “prospeção de mercado” no caso dos países de língua portuguesa onde o grupo pretendia abrir escolas portuguesas, à Alemanha com a necessidade de compra de autocarros para transporte dos alunos e os cruzeiros às Caraíbas como prémios aos funcionários, assim como atribuiu outros gastos a prendas de aniversário, ou a “catering” para eventos do grupo, como a compra de 36 garrafas de vinho faturadas no jantar a três dos arguidos.

São “decisões de gestão admissíveis a um grupo privado”, defendeu Mário Diogo que insistiu que todos os serviços previstos nos contratos de associação com o Estado foram prestados e que nunca a acusação conseguiu demonstrar ao longo do julgamento que as despesas apontadas como uso indevido de dinheiro público foram, de facto, pagas com verbas públicas.

Mário Diogo argumentou que na conta bancária da empresa mãe do grupo havia cerca de 90 milhões de euros que não provinham dos colégios, mas de outras atividades do grupo, que “chega e sobra” para pagar as despesas apontadas pelo MP, pelo que fica por provar a apropriação indevida de dinheiro do Estado.

Em mais uma série de críticas ao MP, Mário Diogo afirmou que o processo tem “profunda raiz ideológica”, surgido numa reportagem televisiva e “ligado a sindicatos”, tendo por objetivo impedir a nomeação para ministro da Educação do social-democrata José Manuel Canavarro — inicialmente arguido, mas que viu as acusações contra si caírem na fase de instrução.

Coube a João Costa Andrade, advogado de Fernando Catarino, tentar desmontar a tese que sustenta a acusação por burla qualificada, que o MP disse ter fundamento na cobrança fictícia de horas de cargo a professores que exerciam funções em mais do que uma escola do grupo e que foram pagas por mais do que uma entidade: Ministério da Educação, fundos europeus e autarquias.

João Costa Andrade defendeu que a acusação “não provou nada” em relação às horas de cargo, sublinhando que foram anexos ao processo centenas de documentos que essas horas — relativas a horas coordenação de direção de turma ou de grupo pedagógico, por exemplo — foram prestadas e que argumentar que são fictícias por serem comunicadas em relação a professores que prestam serviço em mais do que uma escola corresponde a um “pensamento rudimentar” do MP.

Para o advogado “é impossível” provar o crime de burla, na medida em que “é impossível” provar que elas foram pagas, e assim “é impossível” provar que houve um prejuízo para o Estado.

Entre outros aspetos, o advogado apontou que a informação sobre pagamentos não é suficientemente desagregada para permitir perceber dentro das rubricas o que corresponde ao pagamento dessas horas e porque as alterações de horários ao longo do ano letivo podem tornar imprevisível quantas e a quem vão ser pagas.

Defendeu que foram prestadas muitas mais do que as que foram pagas pelos contratos com o Estado, pelo que “se existe alguém prejudicado são os colégios” e “se alguém enriqueceu foi o Estado”.

Jacob Simões, advogado de Manuel António Madama e Agostinho Ribeiro, insistiu na ideia de se estar perante uma “acusação ideológica” que representa um ataque à iniciativa privada, assim como voltou a defender que o dinheiro entregue aos colégios deixa de ser público quando é transferido, e que entender o contrário se assemelha a um pensamento de “realismo mágico” da literatura sul-americana.

Disse ainda que as escolas privadas, por serem lucrativas, não podem ter estatuto de utilidade pública, afirmando que, nos termos dos contratos, os colégios eram, na prática, “serventes do Estado”.

Durante horas a acusação foi alvo de constantes ataques, mas também a mudança de representantes do MP a meio do julgamento, com Costa Andrade a evocar a “Noite das facas longas” na Alemanha — em que a fação de Hitler no partido nazi eliminou os líderes da fação adversária — para caracterizar o afastamento de Catarina Duarte e a sua substituição pela autora da acusação, Andreia Marques, e o advogado Jorge Marques a lembrar a série “Twilight Zone” para defender que nas últimas sessões “abriu-se um portal na sala do tribunal” e o julgamento foi “sugado para uma realidade paralela”.

Andreia Marques pediu no final da sessão para exercer o direito de réplica, não para responder a estas provocações, ainda que as tenha evocado, mas para defender a honra do MP, afirmando: “repudia-se toda e qualquer suspeita de ilegalidade”.

Os arguidos, para os quais a defesa pediu a absolvição, não prestaram declarações na sessão.

Segundo a acusação do MP, os arguidos ter-se-ão apropriado de mais de 30 milhões de euros dos mais de 300 milhões de euros recebidos pelos colégios do grupo GPS para financiar contratos de associação com o Estado, uma modalidade contratual em que instituições de ensino privado recebem financiamento público para acolher alunos que não têm uma escola pública na sua área de residência que possam frequentar.

O dinheiro pago a colégios do grupo GPS no âmbito dos contratos de associação com o Estado alegadamente financiou férias, carros, bilhetes para o mundial de futebol de 2006, jantares, vinhos e até seguros pessoais, segundo o Ministério Público.

// Lusa

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