O cardeal Angelo Becciu, destituído pelo Papa Francisco em setembro por diversos escândalos financeiros, será julgado, assim com outras nove pessoas, por crimes relacionados com a venda de um edifício em Londres, informou hoje o Vaticano.
“O presidente do Tribunal do Vaticano ordenou a citação para o julgamento dos acusados no âmbito da matéria relacionada com os investimentos financeiros do Secretário de Estado em Londres. O julgamento terá início a 27 de julho”, explica o Vaticano em comunicado de imprensa.
Relativamente ao cardeal Becciu, o Vaticano adianta que responderá “pelos delitos de peculato e abuso de poder também em regime de concorrência, bem como por suborno”. Angelo Becciu, prefeito da Congregação da Causa dos Santos, resignou ao cargo em setembro e aos seus direitos enquanto cardeal, depois de ter sido envolvido neste escândalo financeiro que envolve negócios imobiliários em Londres, no qual a sede da Igreja Católica perdeu milhões de euros em comissões pagas a intermediários.
Até 2018, o cardeal Becciu era o segundo mais alto funcionário da Secretaria de Estado do Vaticano, reportando diretamente a Bento XVI e, mais tarde, ao Papa Francisco. Em maio de 2018 o Papa Francisco nomeou o arcebispo italiano Angelo Becciu para prefeito da Congregação da Causas dos Santos, sucedendo ao cardeal Angelo Amato, no cargo desde 2008.
Além do cardeal e de outras nove pessoas, o tribunal do Vaticano ordenou ainda a citação para julgamento de quatro empresas. Os arguidos são acusados dos crimes de abuso de poder, extorsão, branqueamento de capitais, fraude, falsa escritura pública e privada, violação do sigilo do cargo e peculato. Em 2014, a Secretaria investiu cerca de 244 milhões de dólares como parceira de um acordo para comprar um edifício de luxo em Londres.
Uma investigação ao negócio, iniciada em julho de 2019 na sequência de uma denúncia do Instituto de Obras Religiosas e do Gabinete do Auditor Geral, levou à suspensão de cinco funcionários do Vaticano, quatro deles da Secretaria tendo o Vaticano acusado os intermediários de extorsão. Segundo o Vaticano, as investigações foram realizadas em estreita colaboração com o Ministério Público de Roma e a Unidade de Polícia Económico-Financeira – GICEF da Polícia Financeira de Roma, assim como com os procuradores de Milão, Bari, Trento, Cagliari e Sassari e respetivas secções da polícia judiciária.
“As atividades preliminares, também realizadas com comissões rogatórias em inúmeros outros países estrangeiros (Emirados Árabes Unidos, Grã-Bretanha, Jersey, Luxemburgo, Eslovénia, Suíça), permitiram trazer à tona uma vasta rede de relacionamentos com operadores do mercado financeiro que tem gerado perdas significativas para as finanças do Vaticano, depois de sacar também dos recursos destinados às obras de caridade pessoal do Santo Padre”, adianta o Vaticano na nota de imprensa.
A iniciativa judicial está diretamente ligada às indicações e reformas do Papa Francisco para maior transparência e recuperação das finanças do Vaticano, uma obra que, segundo a acusação, foi contrariada por atividades especulativas ilegais e lesivas da reputação da instituição. Em dezembro de 2020 e na sequência deste caso, o Papa Francisco assinou o ‘motu proprio’ (documento papal) no qual retirava ao Secretário de Estado a gestão de fundos, contas bancárias e investimentos imobiliários.
A partir de 01 de janeiro de 2021, esses fundos passaram a ser geridos pela Administração do Património da Sé Apostólica (APSA), um marco da reforma da Cúria que está a ser realizada para conseguir maior transparência nas finanças. Com este ‘motu proprio’, Francisco reduziu o número de gestores económicos na Santa Sé e concentrou a administração, a gestão e as decisões económicas e financeiras nos dicastérios (ministérios) que têm essa tarefa.
// Lusa