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103 minutos chegaram. Partidos bloqueiam revisão constitucional em tempo recorde

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Mário Cruz / Lusa

O deputado do Chega, André Ventura

Ao todo, a reunião da comissão de revisão constitucional demorou uma hora e 43 minutos. O processo de revisão constitucional proposto pelo Chega, que vai ser chumbado pela esmagadora maioria dos partidos, só não terminou esta terça-feira, em comissão, porque o CDS pediu para serem votadas na quinta-feira.

A reunião da comissão de revisão constitucional demorou uma hora e 43 minutos, incluiu a apresentação do projeto de revisão da André Ventura, um debate, com uma “apreciação genérica” pelos partidos, sem se entrar numa discussão artigo a artigo, e uma resposta da parte do deputado único do Chega.

No final, por volta das 19h20, o presidente da comissão, Pedro Delgado Alves, informou que o CDS havia pedido o adiamento, “em bloco”, da votação dos artigos propostos pelo Chega, que inclui a castração química de pedófilos ou o fim do obstáculo legal da pena de prisão perpétua.

A cumprir-se o calendário, o processo termina em quatro reuniões – a da posse, a desta terça-feira, a de quinta-feira e uma última, sem data marcada, para fazer o relatório final.

Em pouco mais de 30 minutos, André Ventura explicou aos deputados que o projeto de revisão constitucional “consagra em grande medida uma boa parte das bandeiras que o Chega defende e representa”.

Ventura afirmou que o partido tem apenas “um deputado”, o que “não é suficiente para mudar”, mas disse ser “justo” apresentá-las, “mesmo com uma apreciação negativa previsível” da parte dos restantes partidos.

O partido propõe 17 alterações à Constituição da República Portuguesa (no preâmbulo e em 16 artigos), entre as quais a “introdução de pena acessória de castração química para pedófilos e violadores reincidentes” ou a possibilidade de redução de deputados para um mínimo de 100 (atualmente esse limite mínimo está fixado em 180, apesar de há muitos anos o seu número estar estabilizado nos 230).

O Chega pretende ainda introduzir na Lei Fundamental que só “indivíduos portadores de nacionalidade portuguesa originária” possam ser primeiro-ministro ou ministro de Estado e que o princípio da presunção de inocência não se aplique aos casos de enriquecimento injustificado.

No projeto, propõe-se que, no artigo 1.º, se substitua a determinação de que “Portugal é uma República soberana” por “Portugal é uma nação soberana”, introduzindo também a possibilidade de o povo poder escolher “a forma de Governo”, que atualmente faz parte dos limites materiais da Constituição que não podem ser alvo de revisão.

É como, afirmou, se fosse “impor para sempre” que “não há possibilidade de mudar a Constituição” ou se estivesse impor “uma limitação ao poder de soberania do povo português”.

Pelo PSD, o deputado Luís Marques Guedes afirmou que a proposta do Chega não introduz “alterações estruturantes”, recusou algumas delas, como a da castração química, mas aceitou que se poderia fazer “uma reflexão” sobre o regime do “habeas corpus”.

Mas a oposição social-democrata é mais processual: se fosse aprovada alguma destas propostas só se conseguiria reabrir um processo de revisão dentro de cinco anos, estando o PSD a preparar um projeto para apresentar em breve.

Pelo PS, a deputada e constitucionalista Isabel Moreira afirmou a oposição do partido às ideias, como a castração química, e disse que a proposta do Chega “pretende romper com valores fundamentais da mesma”.

José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, sublinhou que o facto de Ventura ter usado a expressão “bandeiras do Chega”, com as quais não concorda, e sublinhou que os portugueses “não têm um problema com a Constituição” e que “o problema”, em alguns aspetos, é ela não ser respeitada.

Telmo Correia, líder parlamentar do CDS, não se opõe a um debate sobre a forma republicana de Governo, que impede uma monarquia em Portugal, e disse ter dúvidas quanto à forma de ultrapassar os limites da revisão constitucional.

E Inês de Sousa Real, do PAN, afirmou que a proposta do Chega “procura uma limitação de direitos fundamentais, direitos humanos que foram difíceis de conquistar ao longo dos século e na história” de Portugal.

José Luís Ferreira, dos Verdes, afirmou que nenhuma das propostas avançadas “são bandeiras do Chega que o PEV não quer nem ajudará a erguer”.

Também à esquerda, António Filipe, do PCP, classificou de “espécie de projeto de provocação constitucional” que poriam em causa a Constituição, que “é o bilhete de identidade do regime democrático”.

Já a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira (ex-Livre) qualificou o projeto de “uma enorme iniciativa de revisão” e “um retrocesso democrático e legislativo”, que faz uma “série de atropelos dos direitos humanos”, como é a castração química ou “a escravatura” do “trabalho comunitário obrigatório”.

Ao Expresso, André Ventura disse que ouviu “sem surpresa” a apreciação genérica dos restantes partidos à proposta do Chega, sublinhando que é “incompreensível” como é que não há consenso em pontos como o enriquecimento ilícito.

Já esperava que a esquerda bloqueasse a revisão constitucional, agora os outros partidos? Quando andam todos a dizer há anos que é preciso combater, por exemplo, o enriquecimento ilícito?”, criticou.

ZAP // Lusa

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15 Comments

  1. Grande Ventura alguma coisa tem de mudar, e quanto ao enriquecimento ilícito só uma Assembleia da República corrupta não pretende resolver este problema.

    • Grande, Ventura! Fazes andar todos à roda. Desta gente corajosa como tu é que nós precisamos. Portugal está podre.

  2. Fico surpreendido comigo mesmo por concordar com tantas propostas do Chega sem me identificar com o Chega.
    Mas a presunção da inocência tem de ser universal, como seria alguém ser presumivelmente culpado logo à partida?
    Tem de se melhorar os mecanismos de controlo e a qualidade das investigações (não me refiro à qualidade dos investigadores) e não facilitar a culpabilização só porque não conseguimos fazer essas melhorias.

    • Se ao menos soubesses o que é a presunção de inocência…
      O André Ventura tem toda a razão. A presunção de inocência não se pode aplicar ao enriquecimento ilícito. E não me venham cá falar em “presumivelmente culpado à partida” porque isso é mesmo de quem não sabe do que está a falar. Interessa muito a certas pessoas que se mantenha o povinho na ignorância, por isso é que depois aparecem umas frases feitas, todas bonitas, mas que a maior parte do povinho não faz ideia das suas consequências… É muito bonito falar na presunção de inocência, mas o importante seria perceber o que isso implica, nomeadamente para o enriquecimento ilícito.
      Mudem a lei e depois irão ver se a “coisa nossa” acaba ou não.

  3. “a escravatura” do “trabalho comunitário obrigatório”

    O pessoal que tá na prisão tem teto, roupa e comida à custa dos contribuintes. Se trabalhassem um bocado não lhes caía nada.

  4. Não sendo partidário das propostas do Chega e até de André Ventura, cumpre assinalar:
    1 – todas a propostas apresentadas são razoáveis e decerto defendidas por muitos portugueses.
    2 – o ponto mais sensível talvez seja a questão da presunção no que toda ao enriquecimento ilícito. Mas essa “supressão” da presunção de existência já existe no que diz respeito ao crime de violência doméstica. Se dúvidas houver, basta ler algumas das sentenças sobre estes casos;
    3 – a questão da castração química para reincidentes (e sublinha-se a questão da reincidência que, por si só, já é um critério muito exigente – leia-se a este respeito o Código Penal e os pressupostos que se verificam para a verificação da reincidência) e da possibilidade de prisão perpétua não me oferece grandes dúvidas. Penso que já deveria existir;
    4 – Tem razão Telmo Correia no que refere a respeito da alteração da forma de governo. Tal só será (im)possível com recurso a uma primeira revisão constitucional extraordinária (maioria de 4/5 para ser aprovada) no sentido de eliminar do texto da CRP a impossibilidade de alteração da forma de regime (i.e., remoção do texto da CRP da forma de regime como limite material da revisão constitucional) a que se seguiria uma segunda revisão constitucional, esta ordinária (maioria de 2/3), para alteração dessa palavra (República para nação);
    5 – A redução do número de deputados e de concelhos também não deve merecer a oposição a qualquer contribuinte que saiba um pouco de História e de Direito (explicando: se em 1976, antes da adesão às Comunidades Europeias, 230 deputados eram suficientes para fazer toda a legislação, em 2021, sendo mais de metade da legislação de origem comunitária – aliás uma das questões que estiveram na origem do Brexit (a par com a questão das forças armadas comuns e da circulação de pessoas) – estranha-se que ainda sejam necessários os mesmos 230 deputados…

    Em suma: não me revendo no Chega, há muita coisa com a qual concordo. A urgência de uma Revisão Constitucional é uma delas.

    • “todas a propostas apresentadas são razoáveis e decerto defendidas por muitos portugueses”:
      “Propõe-se que, no artigo 1.º, se substitua a determinação de que “Portugal é uma República soberana” por “Portugal é uma nação soberana”, introduzindo também a possibilidade de o povo poder escolher “a forma de Governo”
      Será que muito portugueses concordam com o fim da República? É para ter como rei Felipe VI? Ou o ditador : André Ventura?

      • E acaso já perguntaram ao povo português o que quer? É que aquilo que o Ventura propõe é justamente isso: abrir-se a possibilidade de se discutir o assunto, algo que a democrática redacção da Constituição da democracia, expressamente impede. A alteração do artigo em causa nada muda se o povo não o quiser. Mas abre a possibilidade de mudança se for essa a vontade popular. Tanto quanto julgo saber é isso mesmo que significa a democracia. Ou, pelo menos, aquilo que apregoa…

  5. Também concordo em tudo com a proposta de revisão constitucional. É inadmissível que a pena máxima de prisão seja 25 anos…
    É por essas e por outras que o crime compensa.
    Ventura!

  6. Este homem fala bem a verdade e provavelmente vai para ele. Então andamos sempre a dizer que não há justiça e ele quer o fazer, então Zé povinho só têm é garganta, quando chega o momento”Vamos”ai, ai.

  7. Leonel: se ao menos soubesses o que é a presunção de inocência…
    O André Ventura tem toda a razão. A presunção de inocência não se pode aplicar ao enriquecimento ilícito. E não me venham cá falar em “presumivelmente culpado à partida” porque isso é mesmo de quem não sabe do que está a falar. Interessa muito a certas pessoas que se mantenha o povinho na ignorância, por isso é que depois aparecem umas frases feitas, todas bonitas, mas que a maior parte do povinho não faz ideia das suas consequências… É muito bonito falar na presunção de inocência, mas o importante seria perceber o que isso implica, nomeadamente para o enriquecimento ilícito.
    Mudem a lei e depois irão ver se a “coisa nossa” acaba ou não.

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