O Instituto Português do Sangue e da Transplantação abriu uma averiguação interna a um médico depois de este ter afirmado que os homens homossexuais estão impedidos de dar sangue, garantindo que esta não é a posição oficial.
Num email, ao qual a Lusa teve acesso, um médico do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) escreve que “os homens que têm sexo com homens estão impedidos de dar sangue”.
“Este critério não [é] nacional. É internacional. Muitos dos países da Europa e do mundo têm essa regra para defesa da saúde do doente que recebe a unidade de sangue”, sustenta o médico Luís Negrão, que se apresenta como médico de saúde pública.
O clínico sublinha que “90% dos casos de VIH positivos [identificados] nas dádivas de sangue são de homens que têm sexo com homens e que o omitiram na triagem clínica”.
Confrontado com estas afirmações, o IPST confirma que o médico trabalha para o organismo e que a “situação já está a ser averiguada internamente”.
“Esta não é a posição do IPST”, garante o instituto.
Na terça-feira a Lusa contactou o IPST na sequência do caso de um homem que denunciou ter sido discriminado quando tentou dar sangue no sábado, dia 23, no posto fixo de doação do IPST em Lisboa, e depois de este organismo ter feito um apelo público à doação.
A situação passou-se com Bruno Gomes d’Almeida que, depois de três horas na fila e mais uma hora de espera na triagem, foi confrontado com várias questões que partiam do princípio de que teria parceiras.
Quando fez questão de corrigir e assumir que tinha um parceiro, ouviu como resposta que “então não pode doar sangue” e que “homens que fazem sexo com homens não podem doar sangue”.
Confrontado, o IPST respondeu que “não questiona a orientação sexual dos seus potenciais dadores” e que “todo e qualquer cidadão [pode] candidatar-se a dar sangue, sem quaisquer diferenças de género ou orientação sexual”.
Garantiu também que, “se não forem referidos comportamentos considerados de risco, nem no consentimento informado nem na triagem clínica, o dador é aceite para a dádiva”.
Disse ainda que “na sequência de reclamações apresentadas, procede internamente ao esclarecimento das decisões tomadas pelos profissionais”.
Em 2016 tinha sido definida o fim da proibição das doações de sangue por parte de homens que têm sexo com homens através de uma norma da Direção-Geral da Saúde e a polémica com esta questão teve como resultado a demissão do então presidente do instituto, Hélder Trindade, que, na altura, alegou razões pessoais.
Estava também programado que em 2019 fosse constituído um grupo de trabalho para avaliar o impacto da alteração do critério de suspensão do dador, no que diz respeito a homens que têm sexo com outros homens.
“O relatório técnico final com as conclusões deste grupo de trabalho será conhecido em breve”, disse o IPST, garantindo que “apoiará as recomendações apresentadas por este grupo de trabalho”.
PAN questionou o governo
Na pergunta endereçada à ministra da Saúde, Marta Temido, através do parlamento, o PAN lembra que “os apelos públicos às dádivas de sangue foram reforçados” recentemente, mas “através de denúncias feitas nas redes sociais e tal como alertado pela associação ILGA Portugal, foram registadas práticas alegadamente discriminatórias que implicaram a exclusão de dadores pelo facto de se declararem homens gays ou bissexuais, colocando o ónus na sua orientação sexual e não nos comportamentos de risco que pudessem ou não estar em causa”.
Apontando que “são várias as notícias que indicam uma indefinição nos procedimentos de doação de sangue, com avanços e recuos da parte da Direção-geral da Saúde no que toca às normas emitidas”, o PAN perguntou “quais são as normas atualmente em vigor para a doação de sangue”.
O partido quis saber se “existe ou não discriminação face a um alegado ‘grupo de risco’, com consideração preconceituosa sobre o que é ser-se homem gay ou bissexual” e quer que o Governo diga de “quantas denúncias de discriminação” teve conhecimento.
Num comunicado publicado na segunda-feira no seu site, a Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo, alerta que, “depois de anos de trabalho de consciencialização para a importância de se centrar os critérios de doação nos comportamentos de risco, e não nos “grupos de risco” baseados em preceitos altamente discriminatórios, os homens gay ou bissexuais continuam a não poder doar sangue”.
“A ILGA Portugal continua a registar denúncias e atos discriminatórios. O preconceito revela-se destas formas: basta a pessoa indicar a sua orientação sexual (não heteronormativa) para que o processo termine; também é dito aos homens gays e bissexuais que precisam de um ano de abstinência para poderem ser elegíveis; não raras vezes, estas pessoas descobrem que foram excluídas de forma permanente da lista de dadores”, especifica.
A associação diz que não há critérios claros, a fiscalização é “parca” e existe “continuada negligência em relação à formação e sensibilização de profissionais para a não-discriminação”.
“A ILGA Portugal tem reiterado a importância da clarificação da norma em vigor, dos critérios de dadores, da abolição de más práticas e da necessidade de formação de profissionais de saúde com as diversas tutelas e organismos públicos competentes”, salienta ainda.
A organização refere ter sido convidada a integrar a comissão referida pelo PAN, mas lamenta que a “pandemia interrompeu” os trabalhos deste grupo.
A ILGA apela igualmente que “sejam denunciadas ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) e à Provedoria de Justiça” todas as “tentativas de doação sem sucesso”.
ZAP // Lusa
Sangue é sangue, independentemente de quem o fornece. JUÍZO, por favor!