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Consumo de antidepressivos duplicou na última década. Especialistas apontam falta de psicólogos no SNS

massdistraction / Flickr

O consumo de antidepressivos duplicou em Portugal na última década, enquanto o de ansiolíticos e hipnóticos desceu ligeiramente e estabilizou. Entre janeiro e maio deste ano as vendas de antidepressivos voltaram a aumentar.

Segundo noticiou esta sexta-feira o Público, o consumo de antidepressivos passou de 64 doses diárias por mil habitantes em 2010 para 118 em 2019. Já no primeiro semestre de 2020 venderam-se mais 248 mil embalagens de antidepressivos do que no período homólogo de 2019. A compra de ansiolíticos, hipnóticos e sedativos diminuiu – 159 mil entre janeiro e maio.

Ao jornal, especialistas indicaram que isso revela melhor diagnóstico e acesso a cuidados de saúde mental no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e melhor prescrição, visto que os antidepressivos geram menos habituação que as benzodiazepinas (ansiolíticos, hipnóticos e sedativos). Por outro lado, apontaram a falta de alternativas às terapêuticas farmacológicas em Portugal e o reduzido número de psicólogos nos centros de saúde.

Um relatório o Conselho Nacional de Saúde divulgado no final de 2019 revelou que Portugal estava na quinta posição quanto ao consumo de antidepressivos nos países da OCDE em 2017, “com mais do dobro da taxa registada em países como a Holanda, Itália ou Eslováquia”, mas atrás da Islândia, do Canadá, da Austrália e do Reino Unido.

Já o relatório de 2019 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde revelou que, em 2017, Portugal estaria em primeiro lugar no consumo de ansiolíticos.

“O nosso ponto de partida não era igual ao de outros países. Nós tínhamos uma taxa de consumo baixa porque tínhamos pouco acesso [cuidados de saúde mental]. O número de consultas psiquiátricas duplicou, entretanto. E a prevalência de perturbações psiquiátricas em Portugal é muito elevada, estamos na segunda posição, a seguir à Irlanda do Norte”, disse o diretor do Programa Nacional de Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde (DGS).

“As desigualdades sociais em Portugal são elevadíssimas. Não é apenas uma questão de pobreza. Na Nigéria, onde todos são pobres, a taxa de depressão é muito inferior à nossa. Um CEO pode ter, em Portugal, um salário 200 ou 300 vezes superior ao dos trabalhadores da sua empresa”, indicou Miguel Xavier.

E acrescentou: “A dívida é igualmente um factor determinante. Somos um país de gente endividada. Ter dívidas massacra as pessoas do ponto de vista da saúde mental e isto não se resolve com comprimidos. É sobretudo no factor económico que temos que trabalhar”, Além disso, “somos mais tristonhos, mais resignados, tivemos 50 anos de ditadura”.

Para o responsável, são necessários “tratamentos não farmacológicos nos cuidados de saúde primários”. Os psicólogos nos centros de saúde e os terapeutas ocupacionais “são pouquíssimos, a única classe profissional que tem aumentado nesta área são os médicos” e os “assistentes sociais também são cruciais”, sublinhou.

Para o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues, a falta de psicólogos no SNS é o fator principal para a elevada prescrição de psicofármacos, seguida da “falta de literacia em saúde” e “as determinantes”, como as económicas.

O presidente do Conselho Nacional de Saúde Mental, António Leuschner, também considera que “é cada vez maior a tendência para a utilização de antidepressivos como resposta terapêutica para tudo o que seja ansiedade. As benzodiazepinas criam dependência”.

Os especialistas consideram que a pandemia terá impacto na saúde mental. Sobre o aumento das vendas de antidepressivos, Miguel Xavier admitiu que poderá “haver aqui um efeito do confinamento”. Mas, “se a pandemia leva ao desemprego e o desemprego leva à depressão, o tratamento não se faz com antidepressivos, mas sim com empregos”, alertou.

A mesma opinião tem António Leuschner, que acredita que o impacto da pandemia na economia “vai obviamente ter repercussões na saúde mental”, considerando, no entanto, que “a perceção do bem-estar é um conceito que se vai ajustando às expectativas”.

ZAP //

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