Os técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) apresentaram à direção um conjunto de argumentos que concluíam pelo chumbo do aeroporto do Montijo, avança o semanário Expresso. Ainda assim, o aeroporto teve luz verde.
Numa informação interna assinada por técnicos e diretores de departamento e chefes divisão é explícito que “a afetação de 20% da área de de alimentação das aves põe em causa a integridade da própria Zona de Proteção Especial (ZPE)” do estuário do Tejo.
Nessa nota interna, à qual o Expresso teve acesso, lembram que, tendo em conta a diretiva comunitária para conservação de aves, a avaliação do ICNF “deveria ser negativa”, sob pena de “possibilidade de um processo de contencioso comunitário futuro”.
Porém, o conselho diretivo da autoridade nacional para a conservação da natureza pediu aos técnicos para elaborarem um conjunto de medidas de compensação e minimização de impactes de forma a tentar minimizar os efeitos nefastos do aeroporto e encomendou a uma sociedade de advogados o robustecimento jurídico dessas medidas.
De acordo com o Expresso, o conselho diretivo entendeu que, assim, contornaria a possibilidade de o Governo emitir uma declaração de interesse público e que poderia fazer avançar o projeto apesar do chumbo e sem medidas compensatórias.
O parecer positivo condicionado do ICNF seguiu a 25 de outubro para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Sem este, teria sido muito difícil esta autoridade ambiental viabilizar o aeroporto do Montijo. A luz verde da APA surgiu no último dia do prazo, a 30 de outubro.
António Pires de Lima “triste” e “indignado”
Em declarações ao Expresso, o ministro da Economia do Governo PSD/CDS responsável pela escolha do Montijo considera “incompreensível” que a direita não salve essa herança, encontrando com o PS uma solução.
“É incompreensível que o interesse nacional não prevaleça além dos oportunismos partidários. Não quero desculpar o Governo, que é responsável pelas relações com as câmaras, mas parece-me inverosímil que PSD, CDS e PS não encontrem uma fórmula para resolver isto”, disse António Pires de Lima.
Para o ex-ministro, uma alteração da lei para ultrapassar a questão do veto dos municípios já devia ter acontecido. “Fico triste, embora isto seja paradigmático de como é difícil concretizar soluções políticas importantes”.
Numa altura em que “já foram ultrapassados todos os prazos”, o arranque da obra não deve continuar a ser adiado, insistiu o ex-ministro.
“Esperemos que o Governo seja inteligente”
A líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real, tem esperança que a “legislação possa vir salvar” aquilo que considera uma “opção desastrosa do ponto de vista ambiental”: a construção do novo Aeroporto no Montijo.
Em declarações à Rádio Observador, Inês Sousa Real recorda que, caso avance, o aeroporto “penhora um habitat único“, passando por “cima de uma rota migratória de mais 200 mil aves”.
“O secretário de Estado já disse que os pássaros não são estúpidos, esperemos que o Governo seja inteligente na opção que tomar”, acrescenta.
Inês Sousa Real diz que não vê mal nenhum que o governo possa agora “parar” e “refletir” para desistir da opção Montijo para a construção de um novo aeroporto. Para o PAN a solução passa por não construir qualquer novo aeroporto na área de Lisboa, mas “aproveitar infraestruturas já existentes como é o caso de Beja e apostar na ferrovia”, numa opção que, destaca, também iria ajudar ao “desenvolvimento do interior”.
Para a líder de bancada do PAN também não faz sentido “expandir o próprio Aeroporto da Portela”, já que se está a “penalizar a qualidade de vida das pessoas sem qualquer estudo.”
Aeroporto do Montijo é “atentado planeado à paisagem”
A Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP) manifestou este sábado “profunda preocupação” com a evolução do processo para a construção do aeroporto do Montijo, defendendo que se trata de “um atentado planeado à paisagem e ao território”.
“Espero que, até às ultimas instâncias, este processo se venha a inverter e não se faça esta ação que redunda num atentado e num crime à paisagem e aos valores culturais do país”, afirmou o vice-presidente da APAP, João Ceregeiro, em declarações à agência Lusa.
Lembrando que o projeto do aeroporto do Montijo se localiza num estuário, que tem “uma relação geomorfológica constante ao longo das suas margens” e é “um dos locais de valor paisagístico mais importantes nesta zona do país”, o representante da APAP acusou que “há uma legislação que foi, praticamente, anulada”.
No caso dos ecossistemas, a construção do aeroporto do Montijo pode anular a componente de avifauna, o que “é muito grave”. Em termos de impacto paisagístico, João Ceregeiro adiantou que afeta todo o estuário, porque “vai integrar as rotas de aproximação à pista e de descolagem da pista”, ressalvando que este território “tem uma sensibilidade” e devia ser envolvido numa reserva.
Destacando ainda o impacto cultural, “porque toda esta mancha de território tem um valor”, o representante dos arquitetos paisagistas apontou a importância da ecologia, dos ecossistemas e da relação do homem com o estuário.
João Ceregeiro sublinhou que um estuário não se pode recriar, porque “é uma peça única”, pelo que “devia ser uma reserva com zonas especiais de proteção atualizadas e não destruídas”.
De acordo com João Ceregeiro, o projeto de construção do aeroporto do Montijo é “um atentado planeado à paisagem e ao território”, pelo que representa “um crime ambiental a prazo”.
Questionado sobre a opção Alcochete como localização para o novo aeroporto da região de Lisboa, os arquitetos paisagistas sustentam que “é uma solução menos má” do que o Montijo.
Sobre as posições divergentes dos autarcas, os arquitetos paisagistas esperam que todos tenham noção do impacto do aeroporto na qualidade de vida das populações e que “não se trate só de uma questão política, mas uma questão de consciência, de cidadania, de cultura e de identidade do território”.