Seis meses após a entrada em vigor da lei que proíbe e pune o assédio no arrendamento, inquilinos sentem que “continua a haver uma pressão muito grande” para rescisão de contratos, enquanto proprietários contestam o “carácter unilateral” da legislação.
“Há muitos casos de assédio de inquilinos a proprietários e, sobre isso, a lei nem sequer abrange, ou seja, o inquilino pode fazer com o proprietário o que quiser que a lei nada diz”, declarou o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Luís Menezes Leitão, criticando as “sanções altamente draconianas” a que os proprietários estão sujeitos, que “nada têm a ver com a renda”.
Segundo o representante dos proprietários, citado pelo Jornal de Notícias, “uma pessoa pode receber uma renda de 30 euros e estar a ser sujeito a pagar 3000 euros por mês”, porque os inquilinos entendem que há assédio.
Luís Menezes Leitão alertou, ainda, que a lei permite que “qualquer arrendatário possa fazer uma intimação ao proprietário referindo que está a ser alvo de assédio”, o que abrange situações como, por exemplo, existir alguma deficiência no locado, em que “o proprietário não tem a mínima culpa, designadamente, se se tratar de um prédio com rendas congeladas, onde não há dinheiro para fazer obras”.
“Até agora, o conhecimento que temos é que não há grandes alterações relativamente a essa situação, portanto os proprietários continuam a assediar os inquilinos, na perspetiva de cancelarem os contratos ou darem uma pequena indemnização para que os inquilinos deixem de ter o contrato de arrendamento”, avançou o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), Romão Lavadinho, numa análise empírica, sem dispor de dados concretos.
De acordo com Romão Lavadinho, “os inquilinos, em muitos casos, não conhecem a lei“, pelo que não apresentam queixa do assédio, com situações de proprietários a dar cabo das entradas dos prédios ou a mudar fechaduras das portas.
“Agora não se verifica tanto isso, o que se verifica mais, neste momento, é a pressão para que os inquilinos aceitem rescindir o contrato ou aceitem transformar o contrato anterior a 1990 num novo contrato por quatro ou cinco anos”, indicou o representante dos inquilinos, acrescentando que estas situações se registam, sobretudo, nas zonas centrais das cidades e nas zonas históricas, no caso de Lisboa, onde há mais inquilinos com contratos de arrendamento anteriores a 1990, ou seja, com rendas antigas.
Por outro lado, “a questão dos proprietários querem transformar arrendamento normal em alojamento local, também, leva a que essa pressão se mantenha, portanto é uma questão que não está resolvida”, apontou o presidente da AIL.
A Lusa solicitou informação sobre ocorrências de assédio no arrendamento, ao que a Polícia de Segurança Pública (PSP) informou que “não dispõe dos dados solicitados” e a Guarda Nacional Republicana (GNR) disse que “não é possível fornecer os dados solicitados, em virtude dos mesmos não serem sujeitos a tratamento informático”.
Em vigor desde 13 de fevereiro, a lei determina que “é proibido o assédio no arrendamento ou no subarrendamento”, entendendo-se como tal “qualquer comportamento ilegítimo do senhorio, de quem o represente ou de terceiro interessado na aquisição ou na comercialização do locado, que, com o objetivo de provocar a desocupação do locado, perturbe, constranja ou afete a dignidade do arrendatário, subarrendatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado, os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, de perigo, humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o acesso e a fruição do locado”.
Neste âmbito, os senhorios podem ser punidos com uma sanção pecuniária de 20 euros por dia, valor que aumenta para 30 euros quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60%.
O diploma em causa foi aprovado em votação final global no dia 21 de dezembro, com votos contra de PSD e CDS-PP e votos a favor de PS, BE, PCP, PEV, PAN e do deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira.
A 1 de fevereiro, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a promulgação do diploma da Lei das Rendas, afirmando ter em conta que esta legislação “visa responder a situações sociais urgentes que merecem acolhimento”. O chefe de Estado lamentou, contudo, “que o diploma preveja a possibilidade de uma sanção pecuniária fixa ao senhorio, e não proporcional à renda, o que se pode traduzir em injustiças mais ou menos significativas, bem como introduza conceitos pouco determinados”.