O crescimento económico e demográfico humano parece estar a causar a extinção de milhares de espécies. Isso acaba com seres vivos e com os principais agentes que moldam os ecossistemas.
Estes são compostos de um lugar ou habitat e uma rede complexa e refinada de relações entre organismos e micróbios, que permitem que as florestas respirem, os oceanos abriguem as baleias ou que uma pessoa faça a digestão. Essas redes são muito complexas, mas às vezes o desaparecimento de uma dessas espécies ou agentes pode ter efeitos insuspeitos e sérios, mesmo que não tenhamos consciência disso.
Por exemplo, nas florestas de algas do Alaska, o desaparecimento de lontras pode causar o colapso de todo o ecossistema, e apenas algumas espécies podem subsistir. Estes controlam a população de ouriços e impedem que estes equinodermes devorem as algas, que são os organismos que fornecem abrigo a todos os outros.
Nas águas mais a sul, as espécies que se alimentam de ouriços-do-mar não são lontras, mas lagostas e peixes, que são sensíveis à pesca. Aí que a pesca excessiva pode fazer com que o ecossistema desapareça com todos os seus peixes.
Um estudo publicado recentemente na revista Science Advances mostrou outro desses relacionamentos complexos. Investigadores descobriram que o drástico declínio na população de hipopótamos em África pode levar à escassez de peixes em rios e lagos em décadas.
A razão é que as fezes desses mamíferos são uma bomba de silício para ecossistemas aquáticos, sem a qual o crescimento de diatomáceas pode estar ameaçado. Se não houver diatomáceas, crescem algas que consomem todo o oxigénio da água e acabam por matar todos os tipos de animais.
“Até agora, não se suspeitava que animais de pasto pudessem ter tal influência no transporte de silício da terra para os lagos”, disse Patrick Frings, investigador do Centro Alemão de Pesquisa em Geociências (GFZ) e co-autor, em comunicado, citado pela ABC. “Este processo é crucial para todo o ecossistema terrestre da água. No entanto, tínhamos ignorado isso”.
Hipopótamos selvagens são animais muito vorazes. Todos os dias, ao anoitecer, cada um come dezenas de quilos de relva na savana africana. Durante o dia, descansam e protegem-se do calor dentro da água, para onde enviam milhares de quilos de fezes para o fundo dos lagos.
Como a relva que comem é muito rica em silício, os hipopótamos fertilizam a água com este elemento químico, crucial para as diatomáceas. Estes pequenos microrganismos fotossintéticos têm pequenas “conchas” compostas precisamente por este elemento e são chamadas de frústulas.
“Os hipopótamos atuam como uma espécie de bomba de nutrientes desde a terra até rios e lagos”, disse Jonas Schoelynck, professor da Universidade de Antuérpia. Schoelynck participou numa expedição ao rio Mara, localizado nas profundezas da Reserva Natural Masai, em Mara, no Quénia. Os cientistas recolheram amostras e analisaram a composição isotópica de plantas, água e excremento de hipopótamo. “Isso permitiu reconstruir o caminho do silício”, explicou Patrick Frings.
Embora seja sabido que a morte, excreção e digestão de animais desempenham um papel fundamental na distribuição de recursos nos ecossistemas, até agora, a maioria dos estudos tem se concentrado nos ciclos de carbono, nitrogénio e fósforo.
Sabe-se que as plantas acumulam o silício no seu interior e que a chegada desse elemento para os ecossistemas aquáticos é essencial para permitir o crescimento de diatomáceas – por sua vez, tem um papel fundamental na fixação do dióxido de carbono.
Muitos estudos têm mostrado que a produtividade de muitos lagos africanos, como o Lago Victoria, Albert, Malawi ou Tanganyika, depende da chegada do silício através dos seus rios. Neste caso, os investigadores mostraram que 76% do silício que circula no rio Mara foi transportado pelos hipopótamos. Eles conseguiram absorver 800 quilos de silício todos os dias e levar metade para o fundo do rio.
As populações de hipopótamos em África têm caído nos últimos anos por causa da caça e perda de habitat. Se a situação continuar, poderia comprometer o crescimento de diatomáceas, o que colocaria em risco todo o ecossistema de rios e lagos da região.
O Lago Vitória, que é o maior lago tropical do planeta, é a maior pescaria de água doce do mundo. Produz um milhão de toneladas de peixe por ano e emprega 200 mil pessoas. A bacia do lago é o lar de 40 milhões de pessoas, que vivem em alguns dos países mais pobres do planeta. Desflorestação, excesso de pesca, construção da barragem, introdução de espécies invasivas e poluição já estão a destruir os ecossistemas do lago.
Desde os anos 70, já houve um declínio no crescimento de diatomáceas. Espera-se que o crescimento das cidades e as mudanças climáticas piorem a situação.