São sete as indicações terapêuticas – associadas a várias doenças – que a Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) considerou apropriadas para a utilização de medicamentos ou produtos à base de ‘cannabis’ medicinal, embora até ainda não existam pedidos de autorização para a sua comercialização.
Segundo informou o Público, na quarta-feira, a lista contempla situações de náuseas ou vómitos – resultantes da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite C) – e espasticidade (aumento involuntário da contracção muscular) associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula.
Casos de epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância – tais como as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut -, de estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA e de Síndrome de Gilles de la Tourette são outros dos exemplos.
A lista inclui a dor crónica – associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como a dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémio ou após herpes zoster – e o glaucoma resistente à terapêutica.
Disponível no site do Infarmed, a lista “produz efeitos” desde 01 de Fevereiro – data em que a lei entrou formalmente em vigor -, devendo a mesma ser “revista periodicamente em função da evolução do conhecimento técnico científico”.
Algumas das indicações terapêuticas referidas pelo Infarmed já vinham referenciadas no parecer que a Ordem dos Médicos emitiu em dezembro de 2017 – no início da discussão dos projetos para criação de uma lei – como havendo forte existência científica da eficácia do uso de ‘cannabis’.
Questionado pelo Público acerca dos dados para a elaboração da lista, o Infarmed indicou que “as utilizações medicinais de preparações e substâncias à base da planta da ‘cannabis’ estão descritas e publicadas como resultado de ensaios clínicos controlados, estudos observacionais, revisões sistemáticas e meta-análises da literatura internacional indexada”.
Contudo, a entidade reconhece a existência de estudos com dados contraditórios e a necessidade de promover mais investigação.
No caso de epilepsias graves em crianças, provocadas pelos síndromes de Drevet e Lennox-Gastaut, o New England Journal of Medicine publicou, em maio de 2018, os resultados de um ensaio clínico no qual foi utilizado um medicamento oral à base de canabidiol em 120 crianças e jovens, entre os dois e os 18 anos, que mostraram uma redução das convulsões.
Este medicamento foi aprovado pela agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA), no mesmo ano, e está a ser avaliado na Europa. Já em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) referia isso mesmo quando pediu às Nações Unidas uma revisão da classificação na lista de drogas de algumas substâncias provenientes da ‘cannabis’, indica o artigo do Público.
O médico redator principal do parecer da Ordem dos Médicos, Luís Castelo-Branco, considera que “o Infarmed deve clarificar o porquê de cada uma destas indicações e em que informação se baseou” para fazer a lista.
Salienta a importância de uma revisão de toda a informação sobre a evidência científica para cada uma destas situações, recordando que os medicamentos, para serem aprovados, têm de demonstrar a evidência científica dos seus benefícios.
A prescrição de medicamentos ou produtos à base de ‘cannabis’ medicinal só pode acontecer “nos casos em que se determine que os tratamentos convencionais com medicamentos autorizados não estão a produzir os efeitos esperados ou provocam efeitos adversos relevantes”, frisou o Infarmed, na deliberação em que publicou a lista de indicações terapêuticas. Esta é uma imposição que resulta da legislação.
De acordo com o Público, para que um médico possa prescrever este tipo de medicamentos ou produtos é preciso que as empresas façam um pedido de autorização de colocação no mercado (ACM), o que até ao momento ainda não aconteceu.
O único medicamento com autorização de introdução no mercado (AIM) é o Sativex, indicado para a melhoria de sintomas de espasticidade por esclerose múltipla. Apesar de não estar em comercialização, por opção da empresa, pode ser pedido através de uma autorização especial.
Sobre os produtos que eram até ao momento vendidos como suplementos alimentares, o Infarmed referiu que estes têm de ser designados como género alimentício. Mas se estiver em causa uma associação a propriedades curativas ou preventivas de doenças e dos seus sintomas, então terão de ser classificados como medicamentos.
“Assim, qualquer produto que se destine a ser utilizado para tratar doenças ou sintomas no ser humano, deverá ser classificado como medicamento e submeter ao Infarmed o respectivo pedido de AIM ou de ACM, previamente à sua disponibilização”, explicou ainda ao Público o Infarmed.