Os recursos monetários recuperados na Operação Lava Jato – que envolve figuras como Luiz Inácio Lula da Silva, antigo presidente do Brasil – vai ser utilizado para recuperar escolas e para criar um fundo anti-corrupção, destinado a projetos de educação, cidadania e transparência.
Prestes a completar cinco anos, a investigação que tornou público um esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo outras entidades públicas brasileiras, prepara-se para criar “um inédito e bilionário fundo anti-corrupção”, avançou na terça-feira o DN.
Em paralelo, outros recursos recuperados em acusações, acordos e multas judiciais foram utilizados para reformar escolas públicas no Rio de Janeiro (Brasil), medida que poderá ser replicada noutros locais do país, como já acontece no estado de Goiás.
“Serão milhões de reais por ano. É um legado permanente”, disse à Folha de São Paulo o procurador Deltan Dallagnol, coordenador do processo Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná. Estima-se terem já sido recuperados três mil milhões de reais (700 milhões de euros), entre valores repatriados, multas e recursos devolvidos.
No Paraná, a procuradoria é a curadora dos valores que darão origem ao fundo anti-corrupção. A primeira contribuição ocorreu em janeiro: 2,5 mil milhões de reais pagos pela Petrobras, como parte de um acordo com o Departamento de Justiça americano.
De acordo com o DN, o dinheiro deve render cerca de 160 milhões por ano. Metade dos valores irá para eventuais indemnizações que possam ter que ser pagas a investidores da Petrobras que recorrem à justiça para recuperar o seu investimento.
A outra metade será administrada por uma fundação independente – que deverá estar pronta a atuar a meio do ano corrente -, constituída por membros e entidades da sociedade civil, que farão a seleção de projetos anti-corrupção a serem financiados.
O termo de acordo prevê a consulta de, pelo menos, cinco entidades para a indicação de nomes à fundação, a criação de um conselho fiscal, a proibição a qualquer membro com atuação política e a prestação mensal de contas.
Embora seja uma prática comum – e com bons resultados – noutros países, este modelo não é convencional na Justiça brasileira, indicou o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão.
“É uma novidade no Brasil, mas não é uma novidade fora”, afirmou, exemplificando com o caso da multinacional alemã Siemens, que, após ter admitido desvios de dinheiro pelo mundo, foi obrigada a fazer investimentos em políticas anti-corrupção em vários países.
O fundo da Lava Jato, estabelecido num acordo entre a Petrobras, o Ministério Público Federal e o Departamento de Justiça americano, visa financiar ações “que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”.
Entram na lista estudos sobre transparência, programas voltados para populações afetadas pela paralisação de obras da Petrobras e até a reparação de direitos afetados pela corrupção, como a saúde, a educação e o meio ambiente.
É algo semelhante ao que já ocorreu no Rio de Janeiro, onde parte dos valores recuperados pela coordenação regional da Lava Jato foi direcionada à segurança pública e à reforma de seis escolas estatais com graves deficiências estruturais, lê-se no artigo do DN.
No caso das escolas, a iniciativa foi concebida pela procuradora da República Maria Cristina Manella Cordeiro, especializada em educação, que idealizou a parceria entre o Ministério Público e o governo estatal. Os 19 milhões de reais investidos vieram de multas pagas por diretores da joalheria H. Stern, que colaboraram na investigação criminal.
Estas iniciativas coincidem com críticas ao chamado ativismo judicial, que ocorre quando o sistema judicial ultrapassa as suas competências e intervém noutros poderes.
Os procuradores refutam as acusações e afirmam que continuam cumprindo o seu papel de defender os interesses da população. “Temos em que saber até onde ir. A escolha das escolas a serem reformadas, por exemplo, partiu da secretaria da Educação, para não invadir a competência do poder público”, esclareceu Manella Cordeiro.
Para o juiz Marcelo Bretas, que autorizou a aplicação dos recursos, a iniciativa está “em total consonância” com a lei, onde multas compensatórias por crimes com vítimas indiretas podem ser destinadas a entidades públicas ou privadas com atuação social.
“A crítica [de exacerbação do papel do judicial] seria razoável se o Ministério Público determinasse o destino dos recursos. Mas não é isso que está a acontecer”, frisou Bruno Brandão. “Não estão se a apropriar-se dos recursos, estão a devolver para a sociedade”.
Para o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, todos os fundos públicos – em especial os que congregam recursos judiciais (de multas, acordos ou indemnizações, por exemplo) -, deveriam seguir o mesmo formato.
Também para a diretora-executiva do Observatório Social do Brasil, Roni Enara, os recursos que voltam para a sociedade servem para criar “uma cultura da integridade”. “Onde começa a corrupção? Começa com pequenos desvios que são tolerados pela população. A gente precisa falar na ponta, e precisa de investimento para isso”, reiterou.