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Capela quinhentista descoberta na Cidade Velha de Cabo Verde

Uma capela da primeira fase da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Cidade Velha, em Cabo Verde, com paredes, chão e altar preservados, foi descoberta durante os trabalhos de reabilitação do edifício, com mais de seis séculos.

O achado, que surpreendeu a equipa responsável pelas escavações arqueológicas, que decorrem no âmbito da terceira missão em Cabo Verde do projeto Concha, da Cátedra Unesco – O Património Cultural dos Oceanos, a par dos trabalhos de reabilitação, será da primeira fase da própria igreja, datada de 1495.

André Teixeira, investigador da Universidade Nova de Lisboa e do projeto Concha, explicou à Lusa que este trabalho arqueológico surgiu da necessidade de conjugar a obra de conservação da estrutura, a cargo do Instituto do Património Cultural (IPC), com uma investigação à estrutura.

Os arqueólogos tinham ouvido rumores sobre a existência desta capela, que teria recebido restauros nos anos 60 do século XX, mas que se mantinha “ignorada sistematicamente”.

No lugar que veio a revelar-se de acesso à capela, apenas existia um arco “completamente emparedado”. Ao derrubar a parede, a equipa deparou-se com toneladas de terra a pedras gigantescas, provenientes de uma encosta junto a um dos lados da igreja e que, de resto, há muito ameaça o edifício, indo ser objeto de intervenção.

Apesar da invisibilidade da capela, os investigadores foram identificando pequenos sinais: “Primeiro na parede e depois no solo, havia coisas no sítio, estruturas antigas e ainda preservadas e foi por isso que iniciámos a investigação e a própria escavação arqueológica”.

No processo da investigação, contou, observaram a presença de vários níveis de reboco e mais tarde uma estrutura “ainda preservada, com a área da oração e do altar”, este último com “duas fases de construção”.

Segundo André Teixeira, na “grande configuração” que foi feita em finais do século XVI e XVII a capela foi integrada no espaço “com origem na primitiva Igreja de Nossa senhora do Rosário”. Depois, sofreu adaptações até ser soterrada.

Entre essas adaptações, ocorreu a retirada de uma sepultura e do próprio enterramento que se encontravam à entrada da capela e que provavelmente seriam de quem patrocinou a construção da capela, o que “era habitual”.

Uma das razões para este episódio terá sido, segundo o investigador, a ameaça a que estaria exposta a capela, provavelmente dada a proximidade da encosta, cujas pedras e terra acabaram por soterrar a estrutura.

Havia uma “vaga notícia” da existência da capela

Já no século XX, nomeadamente durante a obra de reconstrução da Igreja pelo arquiteto português Luís Benavente, então diretor do Serviço de Monumentos Nacionais (Portugal), apesar de existir uma “vaga notícia da existência da capela”, esta acabou por ser encerrada. “Há uma desistência, desiste-se da capela”, frisou o arqueólogo.

Joana Torres, arqueóloga do projeto Concha, referiu que foram muitos os sinais que apontavam para a presença da capela, nomeadamente o material que foram encontrando no meio das pedras e terra acumulada durante décadas.

“Notámos que havia uma mistura muito grande, tanto de materiais contemporâneos, como uma moeda dos anos 70, cabo-verdiana, plástico, objetos muito recentes, mas também objetos tardo-medievais”, referiu.

Conforme as escavações foram avançando “para estratos mais baixos e mais próximos dos vestígios originais da capela”, os investigadores notaram que a presença de materiais mais antigos era mais frequente.

Identificaram também que algumas estruturas da capela, nomeadamente as paredes e a base do altar, incluíam materiais que, tendo sido “utilizados numa fase inicial desta capela ou da igreja, foram depois reutilizados, de forma muito pragmática, enquanto material de construção” e já “sem qualquer marca estética”.

O altar tem claramente duas fases. Numa primeira fase é mais estreito e mais longo e depois toma uma forma mais retangular e mais imponente em que usa esses elementos mais antigos na sua própria estrutura. A mesma coisa com a plataforma em que está e que é sobre-elevada em relação ao piso de circulação, onde estaria a lápide sepulcral e que pode também eventualmente ter várias fases de construção”.

Por apurar continua o oráculo da capela, ao qual os investigadores esperam chegar com a identificação, por exemplo, da pessoa que ali esteve sepultada.

As surpresas durante esta missão do projeto Concha não se cingiram à descoberta desta capela. No decorrer da substituição das escadas de acesso à igreja, das quais faziam parte lápides dos séculos XVI e XVI reaproveitadas na escadaria, foram encontradas ossadas humanas, nomeadamente dois crânios, como contou a arqueóloga Mariana Mateus. Além destes ossos dispersos, os investigadores aperceberam-se que “havia um corpo em conexão” e decidiram “levantá-lo para não ficar ali”.

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário está atualmente limitada a paredes e toneladas de pedras. No final do ano, deverá estar restaurada e mais perto do que nunca do seu traçado original, como disse o arquiteto Adalberto Tavares, do Instituto do Património Cultural (IPC) e coordenador do projeto de reabilitação do edifício. A igreja já não oferecia segurança às muitas visitas e atividades religiosas que recebe.

Os trabalhos começaram com uma intervenção da encosta “para impedir novas derrocadas de pedras”, garantindo assim a segurança física da igreja. A segunda fase contempla a correção de problemas através da substituição da cobertura, do chão e do revestimento da igreja e recolocação dos azulejos, há décadas sem respeitar o desenho padrão. A última parte da intervenção incidirá na parte exterior da igreja, com o restauro do muro e a substituição do chão com pedras mais regulares.

Aquando da reabertura, que deverá acontecer no final deste ano, a Igreja irá mostrar ao público a nova capela, a par de uma outra de estilo gótica, atualmente também alvo de intervenção.

// Lusa

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