As estranhas formas e cores das pequenas luas marcianas, Fobos e Deimos, têm inspirado um longo debate sobre as suas origens.
As faces escuras das luas lembram os asteroides primitivos do Sistema Solar exterior, sugerindo que as luas podem ser asteroides capturados há muito tempo pela atração gravitacional de Marte. Mas as formas e ângulos das órbitas das luas não encaixam neste cenário de captura.
Um novo olhar sobre dados com 20 anos, da missão Mars Global Surveryor da NASA, dá suporte à ideia que as luas de Marte se formaram após um grande impacto no planeta que colocou muitas rochas em órbita. O estudo foi publicado na revista Journal of Geophysical Research: Planets, da União Geofísica Americana.
O conjunto de dados continha pistas não investigadas sobre a composição de Fobos, que pode ser mais semelhante à crosta do Planeta Vermelho do que parece, de acordo com os autores do estudo.
“A parte divertida, para mim, foi debruçar-me sobre algumas das ideias que circulam por aí, usando um conjunto antigo de dados que tem sido subutilizado,” diz Tim Glotch, geocientista da Universidade Stony Brook em Nova Iorque, autor principal do novo estudo.
Marc Fries, cientista planetário e curador de poeira cósmica do Centro Espacial Johnson da NASA, que não esteve envolvido no novo estudo, disse que a incapacidade de explicar a génese das duas luas em redor do planeta vizinho é uma lacuna gritante na compreensão dos cientistas sobre a formação lunar.
O seu esclarecimento ajudará nas interpretações de como outras luas e planetas se formaram no nosso Sistema Solar e além. O novo estudo não resolve o mistério, mas é um passo na direção certa, realçou.
“A questão das origens de Fobos e Deimos é um puzzle divertido porque temos duas hipóteses concorrentes que não podem ser verdadeiras,” disse Fries. “Eu não consideraria isso como uma solução final para o mistério da origem das luas, mas ajudará a manter a discussão em andamento.”
Objetos escuros
O debate sobre a origem das luas de Marte divide os cientistas há décadas, desde os primórdios da ciência planetária. No visível, Fobos e Deimos parecem muito mais escuras do que Marte, dando peso à hipótese de adoção.
Os cientistas estudam a composição mineral de objetos quebrando a luz que refletem em cores componentes com um espectrómetro, criando “impressões digitais” distintas.
Ao comparar as impressões digitais espectrais de superfícies planetárias com uma biblioteca de espectros para materiais conhecidos, podem inferir a composição destes objetos distantes. A maioria das investigações sobre a composição de asteroides examinou os seus espectros no visível e no infravermelho próximo, que está logo além da visão humana, no lado vermelho do espectro visível.
No visível e no infravermelho próximo, Fobos e os asteroides de classe-D parecem iguais – isto é, ambos os seus espectros são quase inexpressivos porque são muito escuros. Os asteroides de classe-D são quase escuros como carvão porque, como o carvão, contêm carbono. Este aspeto escuro de Fobos levou à hipótese de que a lua é um asteroide cativo que passou demasiado perto de Marte.
Mas os cientistas que observam as órbitas das luas de Marte argumentaram que não podem ter sido capturadas. Estes cientistas pensam que as luas devem ter sido formadas ao mesmo tempo que Marte, ou como resultado de um impacto massivo no planeta durante os seus milénios formativos.
“Se conversarmos com as pessoas peritas em dinâmica orbital e descobrirmos porque é que certos corpos orbitam da maneira que orbitam, dizem que tendo em conta a inclinação e os detalhes da órbita de Fobos, é quase impossível ter sido capturada. De modo que temos os espectroscopistas a dizer uma coisa, e os dinamistas a dizer outra,” comenta Glotch.
Impressões digitais de calor
Glotch decidiu analisar o problema sob uma luz diferente: no infravermelho médio, que está na mesma faixa que a temperatura corporal. Olhou para a assinatura de calor de Fobos, captada em 1998 por um instrumento que descreve como um extravagante termómetro a bordo da sonda Mars Global Surveyor.
O veículo robótico passou a maior parte da sua vida olhando para Marte, mas deu uma rápida olhadela a Fobos quando passou perto da lua antes de assentar numa órbita mais próxima do planeta.
A energia térmica, tal como a luz visível, pode ser dividida num espectro de ‘cores’.” Até mesmo objetos que parecem escuros no visível podem brilhar com um espectro infravermelho distinto. Embora Fobos seja muito fria, o seu espectro de calor tem uma assinatura discernível.
Glotch e os seus alunos compararam os espectros infravermelhos médios de Fobos obtidos pela Mars Global Surveyor com amostras de um meteorito que caiu na Terra perto do Lago Tagish, na Colúmbia Britânica, que alguns cientistas sugeriram ser um fragmento de um asteroide de classe-D e de outros tipos de rocha.
No laboratório, sujeitaram as suas amostras a condições de gélido vácuo, aquecendo-as por cima e por baixo, para simular as mudanças extremas na temperatura do lado ensolarado para o lado sombrio de objetos no espaço.
“Descobrimos que, nessas gamas de comprimento de onda, o meteorito do Lago Tagish não se parece nada com Fobos e, na realidade, o que mais se assemelha com Fobos, pelo menos numa das características do espectro, é basalto triturado, que é uma rocha vulcânica comum e a composição principal da crosta marciana,” explica Glotch.
“Isso leva-nos a achar que talvez Fobos possa ser o remanescente de um impacto que ocorreu no início da história marciana.”
“Cozida” com crosta planetária?
O novo estudo não argumenta que Fobos é composto totalmente por material de Marte, mas os novos resultados são consistentes com a lua contendo uma porção da crosta do planeta, talvez como uma mistura de detritos do planeta e dos remanescentes do objeto impactante.
Fries, o cientista que não esteve envolvido no novo estudo, disse que o meteorito do Lago Tagish é invulgar e talvez não seja o melhor exemplo disponível de um asteroide de classe-D para uma comparação convincente com Fobos.
Fries acrescentou que o novo estudo provavelmente não seria capaz de produzir uma resposta definitiva porque Fobos está sujeito ao intemperismo espacial, o que afeta o seu espectro de refletância e é difícil de replicar no laboratório.
Mas Fries achou interessante que uma mistura de material basáltico e rico em carbono fizesse uma combinação apropriada para Fobos. Outra possibilidade é que poeira espacial rica em carbono, na vizinhança de Marte, tenha-se acumulado nas luas próximas, escurecendo as suas superfícies.
Os cientistas poderão obter a sua resposta da origem de Fobos nos próximos anos, caso a sonda MMX (Martian Moons Exploration), a OSIRIS-REx e a exploradora de asteroide Hayabusa2 completem as suas missões de recolher amostras e de as enviarem para a Terra para análise. A Hayabusa2 pousou dois pequenos robôs no asteroide conhecido como Ryugu no passado dia 21 de setembro.
“O mais espetacular disto, é que é uma hipótese testável, porque os japoneses estão a desenvolver a missão MMX, que tem destino Fobos, onde vai recolher uma amostra e trazê-la de volta à Terra para que possamos analisá-la,” conclui Glotch.
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