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Hospitais continuam na troika e estão “à beira de um ataque de nervos”

Carências estruturais nos cuidados de saúde primários e hospitais em crise, à “beira de um ataque de nervos”, a viverem ainda sob a intervenção da ‘troika’. Estas são as conclusões do Observatório dos Sistemas de Saúde que fala em “muitas pedras no caminho” da saúde.

O Relatório de Primavera 2018 do Observatório dos Sistemas de Saúde (OPSS), que será divulgado nesta terça-feira em Lisboa, considera que o sector hospitalar nacional está “endividado e à beira de um ataque de nervos“, com os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) a continuarem marcados pela intervenção da ‘troika’, apesar de o país já não se encontrar sob intervenção externa.

As unidades de saúde têm falta de liquidez e vivem com a ameaça de necessidade de injecção de dinheiro, com um contínuo aumento do ‘stock’ da dívida a fornecedores. Um cenário que tem “conduzido à prática de entregas de verbas a título extraordinário aos hospitais”, refere o relatório do Observatório.

“No país, a crise económica acabou, mas no sector hospitalar continua”, aponta o documento, considerando que os hospitais vivem limitados para realizar despesas correntes e de investimento.

Uma situação que se deve ao facto de a tesouraria dos hospitais ser determinada centralmente pelas autorizações do Ministério das Finanças, enquanto o orçamento das unidades é preparado e supervisionado pelo Ministério da Saúde.

Em termos globais, o relatório destaca um sector hospitalar endividado, com cobertura insuficiente de cuidados de saúde primários, e muitas medidas simples e efectivas de saúde pública por tomar.

“Muitas pedras no caminho”

Analisando o percurso da actual equipa governativa da Saúde, o documento do OPSS realça que há “muitas pedras no caminho”, a começar pela aposta na reforma do SNS que “está longe de estar ganha”.

Os cuidados de saúde primários apresentam “carências estruturais” e o país está “longe de atingir a cobertura da população” em termos de cuidados continuados integrados, não havendo uma aposta nos cuidados domiciliários.

Perante estes dados, o Observatório questiona-se sobre “o grau de prioridade desta área para o Governo”.

No capítulo sobre os recursos humanos, o relatório conclui que “não se gasta muito com recursos humanos na Saúde em Portugal, estamos abaixo de outros países desenvolvidos”, refere Tiago Correia, coordenador do capítulo “Recursos Humanos na Saúde” do Relatório de Primavera 2018.

“Estamos na ordem dos 32%-34% enquanto os outros países estão na ordem dos 38%”, aponta o relatório.

No período mais intenso da crise, entre 2010 e 2015, houve “uma quebra significativa” da despesa com recursos humanos em saúde na ordem dos 9%.

Desde essa altura, tem havido uma recuperação do número de efectivos e da despesa com estes profissionais, mas o crescimento do número de profissionais no SNS foi assimétrico – médicos (internos e especialistas), enfermeiros e técnicos superiores de saúde cresceram a um nível superior à média do crescimento do conjunto dos profissionais (respectivamente 7,1%, 7,2% e 6,9%)”.

Já o número de técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica (3,2%) e assistentes operacionais (0,7%) cresceu abaixo da média e o dos assistentes técnicos diminuiu (-0,5%), adianta o relatório.

O crescimento das horas contratualizadas no SNS também apresenta assimetrias: o trabalho médico “aumentou significativamente (15,5%)”, enquanto o trabalho de enfermagem (0,1%) e dos técnicos superiores de saúde (0,8%) “praticamente estagnou”.

“Isto significa que o aumento nominal de enfermeiros (cerca de 3.000) e de técnicos superiores não teve reflexo no aumento real do trabalho“, afirma o relatório, que aponta como razão “mais plausível” para esta situação a redução de 40 horas para 35 horas semanais na Função Pública.

Nos casos dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, dos assistentes operacionais e dos assistentes técnicos houve mesmo uma redução das horas trabalhadas de 4%, 4,8% e 8,5%, respetivamente.

Para Tiago Correia, a “leitura integrada entre o número de profissionais e horas de trabalho é fundamental para perceber o que é que o Governo tem feito ao nível do esforço da contratação, mas também aquilo que precisa de fazer para conseguir equilibrar todo o ajustamento que foi acordado da passagem das 40 para as 35 horas semanais”.

Os números também revelam iniquidades na rede pública e ao longo do território nacional. Os autores concluem que, para responder às necessidades de saúde da população de forma efetiva e eficiente, é fundamental planear a força de trabalho necessária em Portugal para daqui a 5, 10 ou 15 anos.

Para este “planeamento racional” é importante saber que “sistema de saúde se pretende em Portugal”, que “valências de cuidados se deseja que sejam asseguradas no SNS e como os serviços serão organizados”, bem como estimar quantos profissionais serão necessários e com que competências.

“Essa informação deve permitir estimar a diferença entre a força de trabalho hoje em dia disponível e a desejada no futuro”, afirma o documento, acrescentando que cabe aos decisores políticos escolher as medidas e estratégias para corrigir essa diferença.

Portugal desconhece número de profissionais de saúde

Portugal não sabe quantos profissionais de saúde estão a trabalhar, o que ameaça “qualquer definição política de prioridades de recursos humanos”, segundo o Relatório de Primavera 2018. “Sabemos quantos estão habilitados para trabalhar, mas não sabemos quantos profissionais estão efetivamente a trabalhar”, à exceção dos farmacêuticos.

Tiago Correia refere que esse desconhecimento deriva do facto de as ordens não facultarem “esses dados de forma pública ou porque não têm essa contabilização feita“.

Segundo o relatório, o Ministério da Saúde tem esta informação mais controlada no SNS, mas pouco se sabe sobre o que se passa nos setores privado e social, pela inexistência de uma agregação semelhante de dados à realizada pela Administração Central do Sistema de Saúde para o SNS.

“A isto associa-se o multiemprego, que é estimado em níveis não menosprezáveis, tanto no setor privado como entre o setor público e privado, e as situações de prestação de serviço e trabalho por conta própria”, sublinha.

Para Tiago Correia, esta situação “ainda é mais importante e grave” porque “um número indeterminado de profissionais trabalha tanto no setor público como no setor privado“.

Segundo o investigador, “qualquer definição política de prioridades de recursos humanos está desde logo ameaçada“, porque não se consegue fazer “um bom diagnóstico se efetivamente faltam ou não faltam profissionais” e em que especialidades e valências.

Para ultrapassar esta situação, o relatório recomenda que seja implementada a lei de 2015 que criou o Inventário Nacional dos Profissionais de Saúde. “Estamos em 2018 e não houve grandes desenvolvimentos a este respeito”, o que “também é ilustrativo do problema que o sistema de saúde tem”, afirma Tiago.

Por um lado, há “um Serviço Nacional de Saúde que está definido na lei como uma peça pivot do sistema, o principal prestador e financiador de cuidados de saúde em Portugal”, mas quando o Ministério tenta obter informações sobre outros prestadores percebe-se que “há uma grande resistência” na obtenção desta informação, sendo argumentado que o SNS é um “concorrente e uma parte interessada” nesta informação.

“O ministro da Saúde não é, não pode ser à luz da lei, o ministro do Serviço Nacional de Saúde e, portanto, tem que ter acesso a esta informação e todos os prestadores públicos e privados devem reportar uma informação uniformizada, padronizada, regular e bastante aprofundada sobre os seus recursos humanos para que se possa definir, por exemplo, medidas de alargamento dos ‘numerus clausus’ ou o aumento do número de cursos ou a emissão de licenças profissionais ou a contratação de profissionais estrangeiros”, defendeu.

O Observatório Português dos Sistemas de Saúde é constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde.

ZAP // Lusa

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