A Justiça britânica deverá julgar em breve se uma mulher que bebeu em excesso durante a gravidez pode ser punida pelos problemas de saúde infligidos ao seu filho.
Um tribunal local do noroeste da Inglaterra, que não pode ser identificado por razões legais, defende que a criança deve receber uma indemnização por ter sido vítima de um crime.
Um Tribunal Administrativo de Recursos deu esta semana autorização para que o caso seja julgado, mas a data da próxima audiência ainda não foi marcada.
A criança, cujo nome também não pode ser revelado, foi diagnosticado com Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) no momento do nascimento. Tem agora seis anos e vive com pais adoptivos.
Durante uma audiência prévia, a mãe foi acusada de ter “administrado veneno de forma maliciosa, de modo a pôr em perigo a vida ou causar danos corporais graves” – um crime previsto na legislação britânica.
Peritos em saúde dizem que apenas a ingestão regular de álcool poderia ter provocado o nascimento do bebé com SAF, que pode causar deformidades faciais, problemas no desenvolvimento físico e emocional, falta de memória ou deficit de atenção.
O caso provocou um debate mais amplo sobre a ética de criminalização da bebida na gravidez.
Susan Fleisher criou uma organização para ajudar as pessoas a lidar com a doença, depois de ter descoberto que a sua filha, adoptada com três anos, tinha SAF.
A mulher de 67 anos, cuja filha Addie hoje tem 25, acredita que beber durante a gravidez nunca deve ser considerado um crime.
“Nenhuma mãe deliberadamente aponta uma arma à cabeça do filho”, diz Fleisher.
“Eu sabia que algo estava errado com Addie quando não consegui arranjar um capacete de bicicleta que lhe coubesse na cabeça. Ela era muito menor do que a média”, contou. “Foi depois disso que a levei ao hospital e ela foi diagnosticada com a síndrome”.
Um documento do Departamento de Saúde da Grã-Bretanha diz que “as mulheres que estão grávidas ou a tentar engravidar devem evitar o álcool completamente.”
No entanto, observa o documento que “se escolherem beber, para minimizar o risco para o bebé, recomendamos que não devem ingerir mais de uma ou duas unidades (que equivalem a até dois copos de cerveja de 250 ml ou uma taça de vinho do mesmo tamanho), uma ou duas vezes por semana”.
Mulheres grávidas “não devem ficar bêbadas”, diz ainda o documento.
O Instituto Nacional de Saúde e Assistência também admite que há “incerteza sobre a quantidade de álcool que é segura para beber durante a gravidez”.
No entanto, no caso da menina de 6 anos de idade que vai agora ser julgado, a arguida não seguiu nem de perto estas restrições. Uma audiência anterior da Justiça descobriu que ela tinha “consumido quantidades excessivas de álcool” e “usado drogas”.
Os documentos judiciais também relatam que a mãe “frequentou serviços de maternidade” e “não tinha dificuldades de aprendizagem ou outras questões que afectassem a sua capacidade de perceber os perigos para o bebé de beber durante a gravidez”.
“Este é um caso invulgar e terrível”, diz o procurador Neil Sugarman, que representa o governo local. “A questão é saber se é crime beber durante a gravidez, sabendo que isso afecta o bebé.”
O caso já se prolonga há quatro anos. Caso o juiz decida pela indemnização, pode ser criado um precedente.
ZAP / BBC