2+2=5? Há quem diga que sim (com uma lógica por trás)

ZAP // DALL-E-2

Para alguns, a matemática não é uma ciência objetiva ou neutra em valores. Ficaria impressionado com a quantidade de situações em que a verdade inquestionável “2+2=4″… é falsa.

Há verdades incontestáveis. Uma delas é o facto de que 1+1=2 — a menos que a um monte de roupa suja se adicione outro monte de roupa suja e fique com um grande monte de roupa para lavar.

E se estiver a misturar tintas? Nesse caso, 1 cor + 1 cor = 1 nova cor.

Claro que isso não significa que 1+1≠ 2. Significa apenas que até aquilo que consideramos inquestionável nos convida a pensar e que tudo merece um certo grau de questionamento, que muito depende do contexto.

Mas uma soma semelhante às anteriores tem uma longa, prestigiada e até polémica história: a soma de 2 com 2.

Se acha — ou tem a certeza — que a resposta é sempre 4, há quem argumente que esse resultado não é necessariamente certo.

A filosofia do “penso, logo existo”

Recuemos ao século 17 com René Descartes.

O filósofo francês que questionou tudo em busca da verdade perguntou-se por que não se duvidava que dois mais dois são quatro, se até mesmo a nossa existência era colocada em dúvida.

Duvidar que 2+2=4, observou, não era logicamente incoerente pois, afinal de contas, os números eram ideias abstratas que não podíamos encontrar na natureza. Mas afirmar “duvido que eu exista” era, sim, logicamente incoerente.

Descartes disse que a mera capacidade de duvidar reafirma a nossa existência, daí a abordagem fundamental do racionalismo ocidental: cogito ergo sum ou “penso, logo existo”.

O filósofo não estava, no entanto, a colocar em questão se a duas coisas se somar mais duas, dará quatro; valeu-se precisamente dessa soma, pois era uma verdade óbvia.

E questioná-la era tão absurdo que o inglês Ephraim Chambers usou a expressão 2+2=5 como exemplo para explicar o significado do conceito naquela que foi uma das primeiras enciclopédias da história.

Na Cyclopaedia, ou Um Dicionário Universal de Artes e Ciências (1728), cujo subtítulo indica que “contém uma explicação dos termos e uma conta dos significados das coisas nas várias artes, tanto liberais e mecânicas, e várias ciências, o humano e divinas”, observa: “Assim, seria absurda uma proposição que afirmasse que dois e dois são cinco, ou que negasse que são quatro.”

De encantadora a assustadora

Em 1813, o famoso poeta inglês George Gordon Byron evocou a soma numa carta dirigida àquela que viria a ser sua esposa, Anne Isabella Milbanke. Chamava-a de sua “princesa dos paralelogramos”, pelo fascínio que a matemática despertava nela.

“Sei que dois e dois são quatro, e ficaria feliz em prová-lo também se pudesse, embora devo dizer que se por qualquer tipo de processo pudesse converter 2 mais 2 em 5, teria um prazer muito maior.”

O escritor russo Fiódor Dostoiévski foi mais longe. Em Notas do Subsolo (1864), o protagonista aceita a falsidade de 2+2=5 e considera as consequências de negar a verdade de que 2+2=4.

No entanto, acha que o que torna a humanidade humana é a capacidade de escolher ou rejeitar o lógico e o ilógico, e o processo incessante de querer alcançar um objetivo, “noutras palavras, a própria vida, não particularmente a meta que, é claro, deve ser sempre ‘dois mais dois são quatro'”.

Esse objetivo, na sua opinião, “já não é a vida, mas o início da morte”, de maneira que conclui: “Admito que ‘dois e dois são quatro’ é algo excelente, mas, se formos justos, ‘dois e dois são cinco’ também tem muito charme.”

Tal ideia não parecia tão encantador para o escritor francês Victor Hugo, que foi mais um dos que usaram a soma como metáfora política, ao criticar o abandono dos valores liberais que inspiraram a Revolução Francesa quando Napoleão 3º se instalou como imperador.

No panfleto Napoléon le Petit (“Napoleão, o Pequeno”, 1852), minou a credibilidade do sistema ao escrever: “Agora, obtenham 7.500.000 votos para declarar que dois e dois são cinco, que a linha reta é o caminho mais longo, que o todo é menos do que a sua parte.”

Um século depois, o Nobel francês Albert Camus escreveria em A Peste que “ninguém parabeniza um professor por ensinar que dois e dois são quatro“, pois não parece estar a arriscar a sua vida ao fazê-lo.

“Mas há sempre um momento na história em que quem se atreve a dizer que dois e dois são quatro está condenado à morte. O professor sabe bem disso. E a questão não é saber qual será o castigo ou a recompensa que aguarda esse raciocínio. A questão é saber se dois e dois são ou não quatro.”

Mas talvez quem mais repercussão deu a 2+2=5 para denunciar dogmas absurdos e perigosos foi o jornalista e escritor George Orwell.

Orwell levantou a ideia várias vezes, em ensaios e transmissões da BBC durante a Segunda Guerra Mundial, para ilustrar o ilógico da propaganda nazi.

Numa carta de 1944, respondendo a uma pergunta sobre o crescimento do totalitarismo a alguém chamado Noel Willmett, explicou os seus medos: “Hitler pode dizer que os judeus começaram a guerra e, se sobreviver, isso tornar-se-á história oficial.”

“Não pode dizer que dois e dois são cinco, porque para efeitos de, digamos, balística, eles têm de somar quatro”, disse. “Mas se chegarmos ao tipo de mundo que temo, um mundo de dois ou três grandes superestados que não podem ser conquistados entre si, dois e dois poderiam tornar-se cinco se o Führer assim o desejasse.”

“Essa, até onde consigo ver, é a direção em que estamos realmente a mover-nos, embora, é claro, o processo seja reversível”, disse.

Cinco anos depois, seria publicado o seu romance 1984, que atrairia a atenção de gerações como uma das declarações fictícias mais eloquentes contra um mundo reduzido a superestados. Nessa distopia, o protagonista do romance, Winston Smith, pergunta-se se a opressão poderia tornar-se tão forte que se o Estado afirmar que “dois mais dois é igual a cinco”, isso imediatamente tornar-se-ia verdade.

A resposta é dada pelo seu torturador, O’Brien, quando Smith diz que é impossível para ele conceber outra coisa, pois ele sabe que dois mais dois são quatro.

“Às vezes sim, Winston; mas outras vezes são cinco. E outras, três. E às vezes são quatro, cinco e três ao mesmo tempo”, é a resposta de O’Brien.

Em 2003, inspirada em 1984, a banda inglesa de rock Radiohead lançou a música “2+2=5”, questionando a escolha de ficar na zona de conforto em vez de lutar contra o absurdo.

O charme do “2+2=5”

Até as verdades mais evidentes da matemática são controversas.

Apesar de 2+2=5 ter sido amplamente utilizado como exemplo de uma proposição evidentemente falsa e para alertar estudantes de matemática sobre o risco de falácias, há uma contracorrente.

Curiosamente, esta soma, que para muitos ilustra o que é uma crença ou dogma absurdo, para outros é um símbolo de quebra de cadeias.

Muitos são adeptos da teoria da Justiça Social Crítica (JSC), que se baseia sobretudo nas noções pós-modernas de poder, conhecimento e linguagem, e pensam que a sociedade está construída com sistemas opressivos de poder e privilégio que legitimam algumas formas de conhecimento sobre outras.

Para eles, a matemática não é uma ciência objetiva ou neutra em valores, nem meramente instrumental; também não é uma pura verdade abstrata existente para além do mundo concreto.

Deste ponto de vista, 2+2 não é necessariamente 4 — poderia ser 5.

Confuso?

Talvez valha a pena citar o mais citado: Kareem Carr, doutor em bioestatística da Universidade de Harvard, que tornou-se viral nas redes em 2020 com uma publicação no então Twitter intitulada de “Tudo o que precisa saber sobre 2+2=5”.

Começou por dizer que “afirmações como 2+2=4 são abstrações, o que significa que são generalizações de ‘algo'”.

“Pessoas de pensamento literal podem às vezes dizer coisas como ‘se eu colocar um galo e uma galinha juntos e voltar no ano seguinte e há três deles (1+1=3)’ ou dizer: ‘se eu deixar uma raposa e uma galinha juntos, volto depois e só há um (1+1=1)’.

“As pessoas vão achar que isso soa estúpido, mas estão a fazer um apontamento tremendamente profundo”, disse.

Mais tarde declarou que “o mero ato de transformar algo num número é uma suposição”. E, com o tempo, continuou a encontrar exemplos, como o de adicionar 200ml de água a outros 200ml de água num recipiente, que então teria, de acordo com a aritmética, 400ml.

Mas, esclareceu, como a temperatura dos primeiros 200ml era de 20°C e a dos outros era de 40°C, ao combiná-las a quantidade foi reduzida.

O seu ponto era, e ainda é, que num mundo onde tanto conhecimento é gerado a partir de dados, é importante garantir que as suposições sejam precisas para que as conclusões sobre a realidade também o sejam.

“Então, quando alguém me diz ‘2+2=5’, peço sempre mais detalhes em vez de pensar que são idiotas.”

// BBC

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