Mais de cem alunos e professores de música deixaram Cabul esta segunda-feira, a bordo de um avião na segunda-feira e, posteriormente, deverão vir para Portugal, disse hoje o diretor do Instituto Nacional de Música do Afeganistão.
Temendo serem vítimas de represálias dos talibãs que, durante seu primeiro período no poder, entre 1996 e 2001, tinham proibido a música, 101 membros do Instituto Nacional de Música do Afeganistão (ANIM) desembarcaram esta segunda-feira à noite em Doha, declarou o fundador e diretor do instituto, Ahmad Sarmast, à agência AFP.
O grupo de estudantes e professores, metade constituído por mulheres e raparigas, deverá vir para Portugal com o apoio do Governo português, disse Sarmast, refugiado em Melbourne, na Austrália. “A operação foi delicada até ao último minuto“, disse o diretor do instituto.
Com a ajuda da embaixada do Catar em Cabul, os músicos foram transportados em pequenos grupos até o aeroporto da cidade. Os talibãs, que controlam o aeroporto de Cabul, expressaram inicialmente dúvidas sobre os seus vistos, mas o problema finalmente resolvido pelas autoridades do Catar.
Quando o voo finalmente descolou com os músicos a bordo, as raparigas da orquestra “Zohra”, de 13 a 20 anos, foram tomadas por uma emoção imensa. “Este é o momento mais feliz da minha vida”, disse o professor Sarmast, que admite ter chorado muito. “Ontem estive a chorar de felicidade durante horas“.
O voo resultou de um longo planeamento, desde que os talibãs assumiram o poder, e exigiu uma preparação demorada e intensa. “Assim que os talibãs assumiram o poder em Cabul, os músicos foram discriminados. O povo afegão foi silenciado mais uma vez”, denunciou Sarmast.
O Instituto Nacional de Música do Afeganistão, fundado por Sarmast em 2010, tornou-se famoso pela sua inclusividade, e emergiu como a face de um novo Afeganistão nos últimos anos, tendo atuado perante grandes audiências em espetáculos na Europa e nos Estados Unidos.
Agora, as suas salas de aula estão vazias, os seus 350 alunos em silêncio, e a sede do instituto é guardada por combatentes da rede Haqqani, organização aliada dos talibã e considerada “grupo terrorista local” pelos Estados Unidos.
Desde o regresso ao poder, em meados de agosto, os talibãs têm tentado tranquilizar o povo afegão e a comunidade internacional, dizendo que serão menos rígidos do que no passado. No entanto, adiantaram que vão governar o país de acordo com a sua interpretação estrita da lei sharia, conjunto de normas islâmicas com que se regem.
A política que pretendem aplicar em relação à música permanece obscura, e oficialmente os talibã não tomaram nenhuma medida contra qualquer manifestação de caráter musical.
Questionado pela Lusa sobre o acolhimento de músicos afegão em Portugal, o Ministério dos Negócios Estrangeiros declarou que “Portugal participa, desde a primeira hora, nos esforços internacionais em curso para o acolhimento de cidadãos afegãos”.
“Até ao momento, chegaram já a território nacional 214 refugiados afegãos, sendo que este número varia com frequência. Naturalmente, não nos pronunciamos publicamente sobre quaisquer aspetos de natureza operacional relativos à chegada a Portugal de pessoas e grupos em situação de particular vulnerabilidade ou risco”, referiu ainda o MNE.
Segundo a ABC, Ahmad Sarmast, que espera ainda resgatar do Afeganistão os restantes alunos, pretende agora reconstruir o seu Instituto em Portugal. “Queremos preservar a tradição musical do Afeganistão, para que um dia, quando houver outras condições no nosso país, centenas de músicos profissionais possam regressar”.
“A nossa missão não está completa, acabou de começar“, garante Sarmast.
ZAP // Lusa