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“Não quero pretos nem brasileiros!”. A xenofobia mora nos imóveis de Portugal

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“São todos ‘fanfarrões’ e barulhentos” e “estragam os imóveis”. Para outros, são os obstáculos burocráticos que dificultam o arrendamento. Denúncias de xenofobia são poucas: “é a palavra de quem discrimina contra a de quem foi discriminado.”

Transferida para Portugal em agosto, a advogada Márcia Alcantara, brasileira de 41 anos, viu todos os custos da mudança serem suportados pela empresa onde trabalha  e um serviço de realocação ser contratado para ajudá-la a encontrar um lugar para viver com o marido e os seus dois filhos. No entanto, apesar de todo o apoio, teve uma má experiência com o proprietário de um dos imóveis em que estava interessada.

“Quando a pessoa que estava a ajudar-me a encontrar apartamento, uma portuguesa muito experiente, disse que era para uma cliente do Brasil, ele simplesmente começou a exaltar-se”, relata Márcia. “Disse que não arrendava apartamentos a brasileiros, que são todos ‘fanfarrões’ e barulhentos, que colocam muitas pessoas na casa porque não têm condições, etc.”

Márcia conta que a assessora portuguesa explicou calmamente que o proprietário estava equivocado e que a sua cliente era uma advogada casada e com filhos que tinha um contrato de trabalho estável.

“Ao receber essa informação, o proprietário acalmou-se um pouco e tentou retratar-se, mas aí quem não quis nem ver a casa fui eu, tal foi o desrespeito sem sequer conhecer a minha história”, recorda.

Muitos brasileiros que têm atravessado o Atlântico para iniciar uma nova vida em Portugal têm encontrado essa mesma dificuldade quando chega a hora de procurar um lugar para morar. A corretora brasileira Amanda Barreto Mello, que trabalha com vendas e arrendamentos de imóveis em Portugal desde 2015, confessa que já ouviu de proprietários que não gostam de arrendar a brasileiros.

“Numa das vezes, a proprietária disse: ‘Não quero pretos nem brasileiros! Não sou racista, mas tive más experiências’”, conta à BBC News Brasil.

Embora não existam dados oficiais de denúncias feitas a organismos governamentais, as queixas de brasileiros rejeitados como inquilinos, em alguns casos com alguma dose de xenofobia, são relatadas frequentemente em grupos e perfis em redes sociais.

Quando a BBC perguntou a brasileiros que vivem em Portugal em grupos no Facebook se alguém já tinha enfrentado problemas ou sofrido xenofobia por parte dos proprietários, a maioria das respostas foi afirmativa.

“A pergunta é: quem não teve dificuldade?”, disse um utilizador. Outro comentou: “Se alguém passou ou está a passar? É melhor perguntar quem não passou!”.

Falta de requisitos dificulta arrendamento

Por outro lado, uma utilizadora argumentou que o comportamento dos compatriotas também não ajuda: “Muitos brasileiros estragam os imóveis, além das músicas altas e gritarias. Digo isto porque foi um próprio senhorio que me disse.”

Estes motivos são frequentemente apontados por proprietários quando recusam potenciais inquilinos brasileiros, diz a corretora Amanda Barreto Mello.

“O que sempre ouvi, de forma geral, é que os brasileiros fazem mais barulho, ouvem música alta e colocam mais pessoas em casa do que foi dito inicialmente”, afirma, acrescentando que “a falta de fiador, não ter a declaração do imposto de renda e não ter um contrato de trabalho são, sem dúvida, as maiores dificuldades que os brasileiros enfrentam na hora de arrendar um imóvel em Portugal”.

A corretora portuguesa Ana Aires Pereira argumenta que as dificuldades enfrentadas por brasileiros para arrendar uma casa ou apartamento estão mais relacionadas a questões financeiras e burocráticas do que à sua nacionalidade.

“As dificuldades que os brasileiros enfrentam são as mesmas de todos aqueles que não conseguem comprovar os seus rendimentos ou não têm histórico suficiente para dar as garantias que os senhorios solicitam, incluindo os portugueses”, diz.

As exigências são feitas pelos proprietários para diminuir o risco de incumprimento e passam pelo pagamento antecipado de três rendas e duas cauções, apresentação de fiador e de contrato de trabalho sem data para terminar.

“São condições difíceis de reunir em simultâneo para quem procura arrendar um imóvel e acabou de chegar do estrangeiro”, afirma a corretora. “Os proprietários não discriminam pela nacionalidade do arrendatário, mas pela falta dos requisitos que determinaram.”

A procura de imóveis em Portugal por brasileiros é muita — e tem vindo a aumentar.

De acordo com dados do Governo, até outubro deste ano registaram-se 392.757 brasileiros com manifestação de interesse para residência no país, um documento necessário para a regularização de estrangeiros que pretendem viver em Portugal.

Em 2022, o número era de 239.744, o que significa que a quantidade de brasileiros que solicitaram residência aumentou 36% num ano. Desses quase 400 mil, 153 mil concluíram o processo e possuem residência portuguesa.

Estes números incluem quem tem contrato de trabalho, visto de estudante e cumpre outros requisitos do governo. Não é possível contabilizar o número real, incluindo as pessoas que residem ilegalmente no país.

“É difícil denunciar. O preconceito é subtil”

O português António Valente investe em imóveis e arrenda vários deles integralmente ou apenas quartos individuais para assegurar uma renda mensal.

“Como só arrendo casas muito pequenas, o mercado destas casas são os estrangeiros, e desde que tenham documentação, trabalho, rendimentos compatíveis com o valor da renda e fiador, continuo a arrendar a todos, incluindo a brasileiros”, afirma.

Contudo, António relata experiências negativas que teve com alguns dos seus inquilinos do Brasil.

“Existem boas e más experiências, como em tudo. Tive alguns problemas com pagamentos de brasileiros que fugiram sem pagar, e um deles destruiu a casa”, relata.

“Os brasileiros não respeitam as tradições portuguesas. Fazem barulho, colocam um excesso de pessoas no imóvel e isso cria defesas por parte dos proprietários”, diz.

Bruna Dutra, de 37 anos, que trabalha com realocação há quase 2 anos, também ouviu de portugueses que não aceitam brasileiros por terem tido experiências negativas.

“Quando dizem que não aceitam brasileiros, justificam que alugaram para um casal e eles destruíram o imóvel, ou para duas pessoas e colocaram lá dez”, explica Bruna, que é brasileira e também experienciou preconceito no exercício da sua profissão.

“Tive uma única situação em que telefonei a um corretor para perguntar se o imóvel estava disponível e ele, ao reconhecer o meu sotaque, disse: ‘Está disponível, contudo não tenho tempo para a ouvir. Com licença!’ e desligou.”

Bruna falou então com o gerente da empresa e recebeu um pedido de desculpas formal. “É difícil denunciar porque as situações são subtis.”

Contudo, geralmente, não há “pedido de desculpas” ou qualquer retratação, diz Ana Paula Costa, de 30 anos, vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa (CBL).

A associação de imigrantes sem fins lucrativos promove ações de apoio à integração na sociedade portuguesa de quem vem do estrangeiro. Segundo Costa, a CBL recebe várias queixas de xenofobia, inclusive relacionadas com a habitação, mas afirma que é complicado prosseguir com essas denúncias em termos jurídicos.

“Normalmente, é difícil denunciar porque muitas vezes estas situações são subtis”, afirma.

“O preconceito não é explícito, mas é necessário provar que isso aconteceu. Pode até haver testemunhas, mas acaba por ser sempre a palavra de quem discrimina contra a de quem foi discriminado.”

No entanto, a corretora Amanda Barreto Mello refere que tem notado nos últimos anos uma mudança na mentalidade dos proprietários de imóveis em Lisboa, onde trabalha.

“Muitos brasileiros de classe média e média alta, doutorandos, empresários começaram a vir para cá e notámos que houve uma melhor aceitação”, confessa.

A BBC News Brasil contactou a Associação Nacional dos Proprietários (ANP) para comentar sobre a resistência de proprietários portugueses a inquilinos brasileiros e a quantidade de brasileiros que arrendam imóveis em Portugal. A associação respondeu que “não se pode pronunciar sobre este assunto pela falta de dados”.

Existem relatos em que a desconfiança ou o preconceito persistem mesmo depois de o negócio ser fechado. Uma brasileira de 26 anos, que prefere manter o anonimato, diz que ficou traumatizada pela forma como foi tratada por uma proprietária angolana no primeiro apartamento que arrendou logo que chegou a Portugal.

“Ela comentava sobre o meu modo de vestir, sobre o que eu cozinhava, sobre o que eles viam na TV e nos noticiários sobre as brasileiras, sobre como as pessoas em Portugal nos percebiam e como eu deveria comportar-me”, diz.

A brasileira conta que a senhoria morava no andar de baixo do seu apartamento e subia frequentemente para “fiscalizar” o que ela estava a fazer.

“Ela controlava o tempo do meu banho, dizendo que era absurdo durar 15 minutos, tratava-me como ignorante por ser brasileira”, desabafou.

Em casos como este, ou em qualquer outra situação de xenofobia, os brasileiros devem procurar a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), órgão do governo português, para fazer a denúncia através do site ou da Linha de Apoio ao Migrante.

ZAP // BBC

14 Comments

  1. Opção de escolha dos proprietários que são donos de um imóvel. Não se trata de descriminação, esta onda que os políticos e jornalistas de esquerda estão cavalgar para águas perigosas. ..por exemplo também se poderia dizer descriminação a proprietários que não arrendam a casa a jovens? …ou descriminação não existirem imóveis para estudantes? Ou descriminação por pessoas terem baixos rendimentos?

  2. É deplorável este, ou qualquer outro tipo de discriminação. Mas porque é que os senhorios Têm medo ? Por más experiências passadas. Os brasileiros da classe média para baixo que vêm para Portugal aos trambolhões, sem visto, trabalho, habitação, etc, , comportam-se da mesma maneira que no Brasil (e eu sei do que falo), onde é normal a musica alta, o aluguer pra duas pessoas, enquanto dez esperam na esquina, o não pagamento a tempo e horas, ou simples calote, quando não fogem levando móveis e até tomadas, interruptores e peças sanitárias. Agora digam sinceramente. Se fossem proprietários, correriam o risco de alugar a este tipo de gente sem garantias sólidas? Sendo preto, branco ou amarelo, mas este tipo de gente? Que me desculpem os imigrantes “brasileiros” de bem, mas a culpa do preconceito de que se queixam, não é só do “portugueses” ruins. Se alguém de entre vós me quiser dar um pouco de crédito, só gostaria de pedir que não meçam tudo pela mesma bitola.

  3. Agora quando as pessoas têm uma má experiência com determinadas pessoas chama se xenofobia??? Eu agora tenho de aceitar todas as pessoas na minha casa? Se não queriam estes problemas deixassem o SEF trabalhar!
    Aceitar todo o tipo de gente no país tem tudo para correr mal, tanto a nivel culturam economico e social, nada disto vai resolver o problema das empresas nem da segurança social. O brasileiro nao vem para Portugal para ser mais um escravo nas maos do capitalismo, e quantos mais vierem maior é a probabilidade de se revoltarem desta situação!

  4. Arrendei uma vez a um casal de brasileiros licenciados, de classe média, educados, que nunca falharam na renda e deixaram a casa impecável, já a NOS, EDP e SMAS não podem dizer o mesmo, pois quando se foram embora ficaram uns milhares de euros por pagar.
    Noutra ocasião arrendei a família de classe média-alta, avó, filha e filho pré-adolescente e, mais uma vez, não falharam na renda, mas parecia que eu tinha nascido para as servir, antes de arrendar eram ricas, depois eram umas coitadinhas que me pediam tudo e mais alguma coisa.
    Recentemente adjudiquei o arrendamento a uma brasileira de meia-idade, a filha que já vive cá há mais tempo, muito simpática e assertiva, tratou de tudo e, depois de tudo combinado, desistiu e tive de reiniciar as visitas e escolher outra pessoa.
    Estas foram as minhas experiências com imigrantes do Brasil, gente com alguma educação e de estrato social médio-médio alto. Com gente de nível baixo, nomeadamente na educação e trato, não arriscaria, não pela nacionalidade, claro. Aliás, os próprios brasileiros proprietários de imóveis devem cheirá-los a milhas e serem os primeiros a recusar arrendar-lhes o que quer que seja.

  5. Aguentem, em 1986 – ano de entrada de Portugal na CEE – em Bruxelas, os anúncios de arrendamento – quer colocados em jornais quer em escritos nas portas dos prédios onde existia alojamento para alugar, exibiam frequente e despudoradamente uma “assinatura” – “…..étrangers s’abstenir!!” sendo que os “ètrangers” que buscavam alojamento eram com frequência, licenciados, diplomatas, funcionários das delegações no Berlaimont e outros locais da a CEE…

  6. “Quando a BBC perguntou a brasileiros que vivem em Portugal em grupos no Facebook ”
    Que bela fonte! Grupos do Facebook cheios de brasileiros que nunca puseram os pés em Portugal e que promovem o ódio aos portugueses.
    A xenofobia de brasileiros fora de Portugal, nas redes sociais, está a funcionar de forma sistemática e organizada.
    Há um objectivo de alguns grupos políticos de semear o caos através do extremismo e violência verbal,
    Quem tiver duvidas, só tem que fazer a experiência de comentar com a maior honestidade e delicadeza qualquer assunto que tenha relação com Portugal e o Brasil e verão como vão ser insultados.

  7. A maior xenofobia que existe é a de brasileiros contra brasileiros.
    E quem se deu ao trabalho de fazer este artigo, se quer ser justo e imparcial, deve fazer um artigo sobre a xenofobia que está acontecer de brasileiros contra angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, guineenses. e são-tomenses.

  8. Mais um “fait divers” que acontece com brasileiros, angolanos, indianos, drogados, mal vestidos, pessoas com mau aspecto, com fracos recursos, homossexuais. travestis etc… O senhorio como proprietário zela pelo seu bem muitas vezes única fonte de rendimento e que em alguns casos custou muito a adquirir. No entanto existe determinadas entidades que aproveitam esta seleção para atribuir rótulos da moda (xenofobia, racismo, homossexualidade etc..) e assim ganhar visualizações, notoriedade, apoios etc…

  9. MIKO,
    A educação não é a mesma coisa que formação ou dinheiro. Educação aprende-se em casa, são valores familiares. Formação e dinheiro não faz parte deste conjunto de valores!

  10. Hoje em dia é tudo xenofobia. As pessoas estão a balizar-se pelas más experiências que tiveram, não quer dizer que não possam ocorrer com nacionais, mas têm todo o direito de não querer este ou aquela pessoa nas suas casas.
    A verdade é que estamos todos fartos de gente, parece que a Africa, o Brasil, a Asia e o Leste se mudou literalmente para Portugal.
    Eu diria que terão que haver medidas de contenção deste êxodo que está a ocorrer no mundo. Todos querem vir para a Europa e se não se tomarem medidas, a Europa vai ao fundo….. e depois?

  11. Alugo há 5 anos para um casal de brasileiros em Cascais. Sempre pagaram em dia, nunca tive nenhum problema, eles agora estão a me representar em reuniões de condomínio, formei laços de amizade. São excelentes pessoas. Posso ter sorte. Ou apenas sâo pessoas de bem.

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