Vodka, Starlink e bombas nucleares: as conversas secretas de Musk com Putin

Firdaus Omar / Flickr; Trevor Cokley, USAF

O empresário americano visita a Rússia desde 2022 para manter conversas à porta fechada com o presidente. O que faz o homem mais rico do mundo no Kremlin?

Elon Musk sempre teve um fascínio pelo país que deu início à corrida espacial. Já em 2002 tinha viajado até à Rússia para negociar a compra de foguetões para o seu projeto. Mas o almoço de negócios não correu como esperava: após alguns copos de vodka, o milionário acabou por desmaiar durante a conversa e a compra dos foguetões não se realizou.

Ainda assim, o empresário viu-se obrigado a levar consigo uma recordação do fatídico dia: os russos ofereceram-lhe uma garrafa de vodka com a imagem de Musk em Marte.

Vinte anos depois, cada vez mais perto de fazer acontecer o que a imagem prometia, Elon Musk tem visitado o Kremlin para ter conversas secretas. Segundo o Wall Street Journal (WSJ), vários funcionários da Casa Branca não tinham conhecimento do assunto.

A SpaceX de Musk é atualmente o principal fornecedor  do Pentágono e da NASA na indústria aeroespacial. De acordo com o WSJ, a empresa assegurou um contrato secreto de 1.8 biliões de dólares (1.7 biliões de euros) em 2021 que permite ao milionário que tenha acesso a informações confidenciais da Casa Branca.

“Eu tenho uma autorização ultra-secreta, mas, como a maioria das coisas que eu conheço… a razão pela qual eles mantêm o segredo é porque é muito chato”, disse Musk sobre o assunto na semana passada, quando passou pela Pensilvânia em campanha política a favor de Donald Trump.

Sobre este acesso de Musk a documentação secreta, um porta-voz do Pentágono disse ao WSJ: “Não fazemos comentários sobre a habilitação de segurança, a revisão ou o estatuto de qualquer indivíduo, ou sobre questões de política de segurança do pessoal no contexto de relatórios sobre as acções de qualquer indivíduo.”

De acordo com o WSJ, as visitas de Musk à Rússia podem indiciar um “desejo expresso por Trump em chegar a um acordo sobre as principais falhas, como a guerra na Ucrânia”. Serão, então, as viagens de Musk diplomáticas, em prol de uma reaproximação entre os EUA e o seu maior inimigo da Guerra Fria?

De acordo com as declarações do milionário, as suas ideias anti Rússia parecem manter-se impassivas: garantiu que era “absurdo” ter-se tornado apoiante de Putin e lembrou que as suas empresas “fizeram mais para prejudicar a Rússia do que qualquer outra”.

Em busca de um “terreno comum”

Em outubro de 2022, Musk escreveu na rede social X que tinha conversado apenas uma vez com Putin. A conversa seria sobre espaço e teria ocorrido por volta de abril de 2021.

No, it is not. I have spoken to Putin only once and that was about 18 months ago. The subject matter was space.

— Elon Musk (@elonmusk) October 11, 2022

Agora, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, assegurou que a única comunicação que o Kremlin teve com Musk foi durante uma chamada telefónica entre este e Putin, durante a qual terão discutido “o espaço, bem como as tecnologias atuais e futuras”.

Ainda assim, funcionários do Kremlin garantem que isso não é verdade, e terão avistado o empresário a encontrar-se com Sergei Kiriyenko, o primeiro vice-chefe de gabinete de Putin, embora não conheçam o tema da conversa.

Kiriyenko foi acusado o mês passado pelo Departamento de Justiça dos EUA de ter criado cerca de 30 domínios na Internet para espalhar desinformação, numa campanha pró Russia, inclusivamente na rede social X, de que Musk é dono.

Em 2022 o Departamento do Tesouro americano colocou Putin na lista negra dos EUA por este ter invadido a Ucrânia.

No outono de 2022, o cientista político Ian Bremmer, fundador da empresa de consultadoria Eurasia Group, com sede em Nova York, escreveu no X que Musk lhe contara que se tinha encontrado com Putin e funcionários do Kremlin para uma conversa sobre a Ucrânia. “Ele também me disse quais eram as linhas vermelhas do Kremlin”, publicou Bremmer no X.

Bremmer escreveu ainda num boletim informativo para assinantes que Musk lhe transmitira uma mensagem enviada por Putin de que a Rússia garantiria a Crimeia e a neutralidade ucraniana “aconteça o que acontecer”. Disse, ainda, que a Rússia responderia a uma invasão ucraniana da Crimeia com um ataque nuclear. Segundo Bremmer, Musk dissera que “tudo tinha de ser feito para evitar esse resultado”.

Quando a guerra na Ucrânia implodiu, Musk mostrou apoio a Kiev, tenho doado várias centenas de terminais Starlink (que disponibilizam Internet através de satélite) à Ucrânia. Em julho, cerca de 15.000 terminais garantiam acesso à Internet em zonas ucranianas afetadas pela guerra.

Ainda assim, mais tarde, em setembro de 2022, Musk parece ter revertido a sua posição: não permitiu que os terminais Starlink fossem utilizados para guiar drones marítimos que atacaram uma base naval russa na Crimeia, a península do Mar Negro que Moscovo ocupava desde 2014.

Nesse mesmo ano, informadores contam que Musk teve conversas regulares com “russos de alto nível”, numa altura em que existiam “ameaças implícitas” conta Musk por parte do Kremlin.

Agora, duas fontes dos serviços secretos garantiram ao WSJ que Musk e Putin continuaram a manter o contacto desde então ao longo do presente ano, à medida em que Musk começa a intensificar as críticas à ajuda militar dos EUA à Ucrânia e se envolveu, agora, na campanha eleitoral de Trump.

No final de 2023, Putin pediu a Musk para não ativar o Starlink sobre Taiwan, num favor à China, segundo contou ao WSJ um ex-oficial da inteligência russa. Taiwan está atualmente listado como “em breve” num mapa da Starlink sobre os locais onde presta serviço.

No início deste ano, Putin garantiu numa entrevista a Tucker Carlson que Musk é uma “pessoa inteligente”. Parece querer o milionário do seu lado, ou pelo menos num “terreno comum”, como disse: Não há como parar Elon Musk, ele vai fazer o que acha que precisa de fazer […] é preciso procurar algumas formas de o persuadir”.