Veneno de búzio tropical pode ser a chave para fazer melhores medicamentos

Didier Descouens

Búzio tropical (Conus geographus)

Um dos componentes do veneno do cone geográfico é semelhante, mas mais precisa e prolongada do que a hormona humana somatostatina, que regula os níveis de açúcar no sangue e várias outras hormonas do organismo.

O búzio tropical com o nome comum cone geográfico, um dos animais mais venenosos conhecidos, pode ajudar a produzir melhores medicamentos contra a diabetes e disfunções hormonais, a partir de componentes do seu veneno, sugere um estudo divulgado esta terça-feira.

Uma equipa internacional de investigadores liderada por cientistas da Universidade de Utah, Estados Unidos, descobriu que um dos componentes do veneno do cone geográfico (Conus geographus) — animal marinho nativo da região do indo-pacífico, cujo tamanho não ultrapassa os 15 centímetros de comprimento e que usa o veneno para caçar pequenos peixes —, é semelhante à hormona humana somatostatina, que regula os níveis de açúcar no sangue e várias outras hormonas do organismo, evitando que subam até níveis perigosos.

Efeito mais preciso e mais prolongado

Segundo o estudo, publicado esta terça-feira na Nature Communications, a toxina denominada consomatina tem um efeito semelhante à somatostatina, mas é mais estável e com efeitos mais dirigidos e específicos que a hormona humana, o que a torna uma base promissora para o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes.

Os investigadores testaram em laboratório as interações da consomatina com os ‘alvos’ da somatostatina nas células humanas e observaram que a toxina do cone geográfico atua sobre uma das mesmas proteínas. Mas enquanto a somatostatina atua sobre várias proteínas, a consomatina atua apenas sobre uma dessas proteínas, o que significa que a toxina do cone geográfico tem um efeito mais dirigido e preciso.

Para além de mais dirigida, a consomatina também tem efeitos mais prolongados que a hormona humana, por incorporar um aminoácido, que os investigadores classificaram como “invulgar“, que torna a toxina difícil de desagregar.

A consomatina do cone geográfico impede que o nível de açúcar no sangue suba e não atua isoladamente, mas em conjunto com outra toxina, que é semelhante à insulina e que faz os níveis de açúcar baixarem tão rapidamente que induz choque hipoglicémico nas presas. Com a ação da consomatina a impedir que o nível de açúcar volte a subir, o veneno é mortal.

A ação das toxinas do cone geográfico sobre os mecanismos de regulação do nível de açúcar no sangue tornam o veneno do pequeno molusco uma fonte de compostos que os investigadores esperam poder transformar em medicamentos mais eficazes contra a diabetes.

O estudo indica também que a atuação da toxina do cone geográfico é muito mais precisa que as mais precisas drogas sintéticas atualmente utilizadas para regular o excesso de produção de hormona do crescimento pelo organismo humano e apesar de os efeitos pronunciados sobre os níveis de açúcar no sangue impedirem a sua utilização direta como terapêutica, o entendimento da sua estrutura e funcionamento abre portas para o desenvolvimento de medicamentos na área da endocrinologia com menos efeitos secundários que os utilizados atualmente.

“Atalho importante”

Estudos anteriores já tinham identificado na consomatina propriedades de controlo da dor tão potentes como a morfina.

“Os animais venenosos conseguiram, através da evolução, afinar a precisão dos compostos das suas toxinas de modo a atingirem alvos específicos no organismo das presas sem interferirem com outros. Para nós investigadores isso é um atalho importante que podemos usar para conseguir essa mesma precisão no desenvolvimento de medicamentos”, disse Helena Safavi, professora de bioquímica na Universidade de Utah e líder da investigação, citada num comunicado da universidade.

“Os humanos usam a química para produzir medicamentos há algumas centenas de anos, por vezes sem resultado ou com maus resultados, mas os cones e outros animais aperfeiçoaram a sua química durante milhões de anos de evolução, agora estamos a aproveitar essa experiência acumulada”, disse Helena Safavi.

ZAP // Lusa

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