Uma estrela de carbono morreu misteriosamente

ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)/S. Dagnello (NRAO/AUI/NSF)

Os cientistas observaram, pela primeira vez, o misterioso “leito de morte” de uma estrela AGB rica em carbono

Cientistas que estudavam V Hydrae (V Hya) testemunharam o misterioso “leito de morte” da estrela em detalhes sem precedentes.

Usando o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) e dados do Telescópio Espacial Hubble, a equipa descobriu seis anéis em expansão lenta e duas estruturas em forma de ampulheta provocadas pela ejeção de matéria a alta velocidade para o espaço.

Os resultados do estudo foram publicados em fevereiro no The Astrophysical Journal.

V Hya é uma estrela AGB (asymptotic giant branch) rica em carbono localizada a aproximadamente 1300 anos-luz da Terra na direção da constelação de Hidra.

Mais de 90% das estrelas com uma massa igual ou superior à do Sol evoluem para estrelas AGB à medida que o combustível necessário para alimentar os processos nucleares é removido.

Entre estes milhões de estrelas, V Hya tem sido de particular interesse para os cientistas devido aos seus comportamentos e características tão singulares, incluindo erupções de plasma a escalas extremas que ocorrem aproximadamente a cada 8,5 anos e a presença de uma estrela companheira quase invisível que contribui para o comportamento explosivo de V Hya.

“O nosso estudo confirma dramaticamente que o modelo tradicional de como as estrelas AGB morrem – através da ejeção em massa de combustível via um vento lento, relativamente estável e esférico ao longo de 100.000 anos ou mais – está, na melhor das hipóteses, incompleto, ou na pior, incorreto,” disse Raghvendra Sahai, astrónomo no JPL da NASA e investigador principal do estudo.

“É muito provável que uma companheira estelar ou subestelar próxima desempenhe um papel significativo nas suas mortes, e a compreensão da física das interações binárias é importante tanto na astrofísica como um dos seus maiores desafios”, explica Sahai.

No caso de V Hya, a combinação de uma estrela companheira próxima e de uma hipotética companheira distante é responsável, pelo menos em certa medida, pela presença dos seus anéis e pelos fluxos velozes que estão a provocar a morte miraculosa da estrela”, acrescenta o astrónomo.

Segundo Mark Morris, astrónomo da UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles) e coautor da investigação, “V Hydra foi apanhada no processo de libertação da sua atmosfera – a maior parte da sua massa – o que é algo que a maior parte das estrelas gigantes vermelhas em fase final fazem”.

“Para nossa surpresa, descobrimos que a matéria, neste caso, está a ser expelida como uma série de anéis de escoamento. Esta é a primeira e única vez que alguém viu que o gás a ser expelido de uma estrela AGB pode ser expelido sob a forma de ‘anéis de fumo’ em expansão”, explica.

Os seis anéis expandiram-se para longe de V Hya ao longo de mais ou menos 2100 anos, acrescentando matéria e impulsionando o crescimento de uma estrutura de alta densidade em forma de disco deformado à volta da estrela. A equipa apelidou esta estrutura de DUDE (Disk Undergoing Dynamical Expansion).

“O estado final da evolução estelar – quando as estrelas passam da fase de gigante vermelha e terminam como uma anã branca – é um processo complexo que não é bem compreendido,” disse Morris.

“A descoberta de que este processo pode envolver a ejeção de anéis de gás, em simultâneo com a produção de jatos intermitentes de material a alta velocidade, dá origem a uma nova e fascinante ‘perturbação’ à nossa exploração de como as estrelas morrem.”

Sahai acrescenta que “V Hya está na breve, mas crítica fase de transição que não dura muito tempo e é difícil encontrar estrelas nesta fase, ou melhor, apanhá-las em flagrante“, explica.

“Tivemos sorte e fomos capazes de imaginar todos os diferentes fenómenos de perda de massa em V Hya para compreender melhor como as estrelas moribundas perdem massa no final das suas vidas”, acrescenta o astrónomo.

Para além de um conjunto completo de anéis em expansão e de um disco deformado, o ato final de V Hya apresenta duas estruturas em forma de ampulheta – e uma estrutura adicional em forma de jato – que se estão a expandir a velocidades elevadas de mais de 240 km/s.

ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)/S. Dagnello (NRAO/AUI/NSF)

Os cientistas que estudam a estrela moribunda rica em carbono V Hya descobriram seis anéis em lenta expansão que se formam à medida que a estrela expulsa a sua matéria. Visto aqui nesta composição, estes anéis de escoamento e a estrutura de arco difuso do sexto anel são moderadamente visíveis na linha de emissão de isótopos de carbono de 12CO, e tornam-se bem definidos nas vistas dos isótopos de carbono de 13CO. Estes anéis fazem parte de uma história anteriormente desconhecida sobre a morte de estrelas e estão a ajudar os cientistas a desvendar o que acontece no “ato final”.

Estas estruturas em forma de ampulheta já tinham sido observadas anteriormente em nebulosas planetárias, incluindo MyCn 18 – também chamada de Nebulosa da Ampulheta -, uma jovem nebulosa de emissão localizada a cerca de 8000 anos-luz da Terra na direção da constelação do hemisfério sul da Mosca, e na mais conhecida Nebulosa Caranguejo do Sul, uma nebulosa de emissão localizada a aproximadamente 7000 anos-luz da Terra na direção da constelação de Centauro.

“Observámos pela primeira vez a presença de fluxos velozes em 1981. Depois, em 2022, encontrámos um fluxo em forma de jato constituído por bolhas de plasma compactas ejetadas a alta velocidade a partir de V Hya”, explica Sahai.

“E agora, a nossa descoberta de fluxos de grande angular em V Hya liga os pontos, revelando como todas estas estruturas podem ser criadas durante a fase evolutiva em que esta estrela gigante vermelha extraluminosa está agora”, acrescenta.

Devido tanto à distância como à densidade da poeira que envolve a estrela, o estudo de V Hya exigiu um instrumento único com o poder de ver claramente a matéria que está ao mesmo tempo muito longe e é também difícil ou impossível de detetar com a maioria dos telescópios óticos.

A equipa alistou os recetores de Banda 6 (1,23 mm) e Banda 7 (0,85 mm) do ALMA, que revelaram os múltiplos anéis e os fluxos da estrela com grande clareza.

“Os processos que ocorrem nas fases finais das estrelas de baixa massa, e durante a fase AGB em particular, há muito que fascinam os astrónomos e têm sido difíceis de compreender,” disse Joe Pesce, astrónomo e oficial do programa NSF para o NRAO/ALMA.

“As capacidades e a resolução do ALMA estão finalmente a permitir-nos testemunhar estes eventos com o extraordinário detalhe necessário para fornecer algumas respostas e melhorar a nossa compreensão de um evento que acontece à maioria das estrelas no Universo”, acrescenta Pesce.

Segundo explica Raghvendra Sahai, a incorporação de dados infravermelhos, óticos e ultravioleta no estudo criou uma imagem completa em vários comprimentos de onda do que poderia ser um dos maiores espetáculos da Via Láctea, pelo menos para os astrónomos.

“De cada vez que observamos V Hya com novas capacidades de observação, torna-se mais e mais como um circo, caracterizada por uma variedade ainda maior de proezas impressionantes”, diz o astrónomo.

“V Hydrae tem-nos impressionado com os seus múltiplos anéis e atos, e dado que o nosso próprio Sol pode um dia ter um destino semelhante, tem toda a nossa atenção”, conclui.

// CCVAlg

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