Uma bactéria mutante criou acidentalmente uma das pinturas mais icónicas de Van Gogh

Por vezes a linha entre a arte e a ciência é muito ténue. Investigadores estudam uma bactéria social, que se assemelha com uma obra-prima muito conhecida.

Quando um dado gene é exposto a uma bactéria como a Myxococcus xanthus, os organismos individuais auto organizam-se em pequenos “enxames”, deslocando-se de forma rápida e coordenada em superfícies sólidas e circulares.

Recentemente, uma equipa de investigadores norte-americanos coloriu artificialmente os percursos circulares destas bactérias, e o resultado foi surpreendente.

A imagem obtida tem notáveis semelhanças com a “A noite estrelada”, uma das mais icónicas obras de Van Gogh.

Com um aumento de x10, a imagem mostra uma mistura de duas cepas de mixobactérias, a amarelo e a azul.

As bactérias têm a reputação de serem egoístas, mas a Myxococcus xanthus é considerada uma bactéria social, porque precisa de encontrar e reconhecer parentes para sobreviver.

 

“O nosso trabalho mostra como uma bactéria social, conhecida como fonte de produtos naturais terapêuticos e como agente de biocontrolo de cultivo, serve como um modelo poderoso para estudar comportamentos emergentes que também exibem beleza artística“, disse Daniel Wall. microbiologista da Universidade de Wyoming.

Esta bactéria, em forma de um pequeno bastão, cria grandes aglomerados familiares, (os referidos enxames) para atacar melhor as presas de que se alimenta, explica o Science Alert. Cada célula produz enzimas digestivas, o que facilita a alimentação predatória.

Os investigadores estão fascinados com este comportamento social há anos, mas ainda não têm um modelo abrangente concreto para os seus movimentos complexos.

Em 2017, Wall e os seus colegas anunciaram a descoberta de uma única “chave” genética responsável por ativar e desativar este comportamento.

A “chave” controla especificamente uma sequencia de proteínas, conhecida como TraA, que fornece um recetor de superfície para a bactéria reconhecer o seu grupo e ligar-se ao recetor parceiro, TraB.

Depois de se juntar a um membro da família, por via destes dois recetores (TraAB), a bactéria pode então, trocar nutrientes e proteínas com o resto do grupo.

Pesquisas em laboratório mostraram que, quando o enxame encontra comida, os organismos podem realmente reunir as suas enzimas e metabólitos por via dessas ligações — para aplicar às suas presas um golpe fatal.

O comportamento dos enxames mudou quando a equipa induziu bactérias mutantes a sobreporem as conexões TraAB. Esta conexão é a que permite às células unirem-se, mas quando há demasiada desta “cola”, o enxame não consegue separar-se tão facilmente para mudar a sua forma ou direção.

“As células normais do tipo selvagem, vão e voltam, vão e vêm como um autocarro”, explica o bioengenheiro Oleg Igoshin, da Rice University. “A cabeça torna-se a cauda, e a cauda a cabeça. E isto acontece a cada 8 minutos, ou mais.”

Uma superexpressão de TraAB, ou seja, uma produção excessiva dos seus genes, parece no entanto impedir o enxame de trocar a sua cabeça pela cauda.

Em última análise, a equipa suspeitou que a característica pegajosa do TraB estava a impedir indiretamente o enxame de células de mudar de direção. “Na nossa ideia, talvez houvesse algum tipo de sinal dependente do contacto entre as células que suprime as reversões”, explica Oleg Igoshin.

“As células estão em grupos densos e em contacto com outras o tempo todo, mas estes contactos são transitórios. Se a superexpressão do TraAB realmente o tornar pegajoso, o seu vizinho continuará a ser seu vizinho por mais tempo, e isso pode disparar o sinal que suprime a reversão.”

Percorrendo este cenário em modelos computacionais, os autores puderam verificar os seus palpites. Introduzindo apenas mudanças na conexão TraAB, os enxames normais da cabeça à cauda de repente tornam-se redemoinhos giratórios de células, tão grandes como um milímetro ou mais.

Noutras experiências em laboratório, também se confirmou este comportamento, em bactérias na vida real. Especificamente, os redemoinhos podem ocorrer quando uma cepa contém “cola”, mas também quando é geneticamente modificada para ser diretamente irreversível”.

O resultado do estudo, publicado em dezembro, na mSystems não é apenas uma compreensão melhor de como milhões de células coordenam os seus movimentos, mas também uma imagem hipnotizante do mundo microbiano.

Inês Costa Macedo, ZAP //

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