Um bocadinho de bomba atómica mora no seu corpo

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bomba atómica

Teste de bomba atómica de Castle Bravo (1954)

Sim, é verdade. Não é só uma expressão. Um pouco de bomba atómica mora literalmente dentro do seu corpo. A melhor parte é que não é prejudicial e até está a ajudar-nos a desvendar mistérios da influência humana na Terra.

Está nos seus olhos, nos seus dentes e até no seu cérebro. Aquilo que os cientistas denominam de “bomb spike” (“pulso de bomba”) é o carbono proveniente das explosões nucleares dos anos 1950 e está a desvendar novos mistérios.

As centenas de explosões nucleares da década de 1950 vieram transformar a composição química da atmosfera e alteraram para sempre o carbono terrestre… e não só.

Mais de 500 explosões, nomeadamente da autoria da Rússia e EUA, espalharam material radioativo e, para além de deixarem regiões inabitáveis e prejudicarem a vida animal, reagiram com o nitrogénio para criar novos isótopos. Entre eles está, segundo o artigo da BBC, o infame carbono-14.

Foi das águas para a vegetação e, daí, o carbono-14 entrou sorrateiramente para a cadeia alimentar e por consequência para o corpo humano, até hoje.

O legado deixado pelos testes nucleares estende-se às células da maioria dos seres vivos e o mais surpreendente é que não é prejudicial… pelo contrário, até é vantajoso, percebeu-se décadas mais tarde.

O pulso de bomba pode ajudar a ditar o nascimento ou morte de uma pessoa, a idade dos nossos neurónios e até, por exemplo, a idade dos vinhos. Agora, pode fazer parte de algo maior.

Limitada habitualmente a amostras com mais de 300 anos — devido à lenta deterioração do isótopo —, a datação por carbono tem sofrido às mãos do efeito Suess —  a introdução de cada vez mais CO2 na atmosfera desde a Revolução Industrial.

Mas graças à diminuição gradual, desde os anos 50, dos níveis do isótopo no meio ambiente (e nos seres humanos), os cientistas passaram a conseguir analisar as proporções de carbono-14 em qualquer substância orgânica envolvida em trocas de carbono e ditar quando esta se formou no espaço de um a dois anos.

Se tiver nascido na década de 1950, os seus tecidos já acumularam mais carbono-14 do que, por exemplo, um jovem de 35 anos, mas só agora é que os níveis se estão a aproximar do estado pré atómico.

Desvendar o nascer do Antropoceno é o objetivo

Uma das utilizações modernas do bocadinho de bomba atómica que mora no seu corpo é a análise forense, por exemplo, na determinação da quantidade de tempo que passou desde a morte da vítima.

O pulso de bomba também nos ajuda a compreender melhor o nosso corpo, ao conseguir datar a idade relativa das nossas células e neurónios, uma ferramenta que se tem provado útil no combate a doenças como a obesidade e de doenças cerebrais.

Mais recentemente, o carbono-14 abriu portas a novas descobertas surpreendentes, servindo a humanidade na aproximação ao reconhecimento oficial do despontar do Antropoceno — o período mais recente na história do Planeta Terra caracterizado pela atividade humana e o seu impacto na Terra.

Ao longo dos anos, várias atividades humanas foram apontadas como um possível marcador do início do Antropoceno. Desde o aumento do metano provocado pela agricultura à poluição mineira de há três mil anos, nenhuma foi universalmente aceite.

Só em 2016 é que o Grupo de Trabalho do Antropoceno recomendou a década de 1950 para assinalar o início do impacto humano profundo no planeta, numa decisão que provocou muita contestação. Mas o grupo de trabalho tem bons argumentos.

Diz o grupo que os meados do século 20 assinalam um ponto claro e reconhecível nos estratos geológicos em que a humanidade marcou para sempre a sua presença na natureza em todo o mundo.

A década coincide também, defende o grupo, com a “grande aceleração”, em que o nosso impacto no planeta disparou devido a aumentos exponenciais nas emissões de gases do efeito estufa, ao uso e abuso da água e da terra, à crescente acidez dos oceanos, à exploração pesqueira ou à perda de florestas tropicais.

Especialistas apontam para muitos mais anos de presença do “pulso de bomba”: “O sinal radiocarbónico vai ser detetável durante cerca de 60 mil anos“, avisa o geologista da Universidade de Leicester, Colin Waters, presidente do grupo de trabalho que já estudou 12 candidatos a ponto inicial do Antropoceno.

Desde uma uma caverna em Itália onde o pulso da bomba e outros marcadores estão envoltos em estalactites a uma escavação arqueológica em Viena ou um recife de coral na costa nordeste da Austrália, só no passado mês é que surgiu o candidato mais próximo da verdade — o lago Crawford, em Ontário, Canadá.

Um dos núcleos dos sedimentos lamacentos do lago, com carbono-14, um marcador de plutónio e outras marcas deixadas pelo homem, serão mantidos num museu na capital do país, Ottawa.

ZAP //

1 Comment

  1. “Está nos seus olhos, nos seus dentes e até no seu cérebro (…).”
    Certamente que sim, mas no sul do país, entre outras regiões, em quantidades inadmissíveis.
    Nos anos 60, os franceses explodiram (experimentalmente) várias bombas nucleares no norte de África.
    Lembro-me de, em criança, ver no Algarve dessa altura, cair chuva negra, inegavelmente contaminada.
    Anos depois, várias pessoas que conheço têm morrido de doenças degenerativas, incluindo um familiar próximo.
    Só na mente de quem escreveu este artigo pode sair a afirmação “que (isto) não é prejudicial… pelo contrário, até é vantajoso, percebeu-se décadas mais tarde (???).
    É aflitiva a atitude de quem escreve tamanha irresponsabilidade.

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