Trump impôs tarifas ao Brasil em apoio a Bolsonaro. Lula pode sair a ganhar

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André Borges/EPA

Lula da Silva

As tarifas impostas por Trump ao Brasil em apoio a Jair Bolsonaro podem sair pela culatra e serem vistas como um ataque à soberania dos brasileiros na escolha do seu governo.

A decisão de Donald Trump de taxar em 50% produtos brasileiros em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ter o efeito contrário de favorecer politicamente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), avaliam analistas políticos.

Especialistas em política internacional e brasileira lembram que interferências externas em assuntos domésticos costumam fortalecer sentimentos nacionalistas.

Por outro lado, alguns ponderam que a forte polarização política do país pode limitar esse efeito junto de apoiadores mais fiéis do bolsonarismo.

“Historicamente, ingerências externas não pegam bem no Brasil (ou em qualquer outro país). Mesmo críticos de Lula podem ver a atitude de Trump como um ataque à soberania nacional e à independência do Judiciário”, escreveu na rede social X Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e investigador afiliado do think-tank Carnegie Endowment for International Peace, em Washington.

“Politicamente, a medida tende a reforçar o nacionalismo e alimentar sentimentos antiamericanos no Brasil — especialmente se Lula conseguir enquadrar a retaliação como uma ofensa à dignidade do país“, continuou.

Diante da decisão de Trump, Lula convocou uma reunião de emergência com a sua equipa de ministros.

Nas redes sociais, o presidente reagiu à tentativa do presidente americano de interferir no processo criminal que Bolsonaro enfrenta no STF, acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.

“O processo judicial contra aqueles que planearam o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais”.

No texto, Lula também disse que “qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Económica“, lei em vigor desde abril que autoriza o governo a retaliar contra países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros.

Para Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, a justificação de apoio a Bolsonaro para elevar as tarifas comerciais mostra uma tentativa dos EUA de influenciar no processo eleitoral brasileiro, “como já aconteceu noutros países”.

Na sua leitura, Lula tende a beneficiar, se conseguir equilibrar a questão comercial e política. O especialista ressalta que uma escalada na guerra tarifária entre os dois países teria efeitos económicos negativos no país.

“Certamente, essa dimensão política é algo positivo para a administração Lula”, afirma, citando outros países em que a atuação do presidente americano beneficiou os seus antagonistas.

“Quem é adversário do Trump no plano local ganha quando o Trump e os demais líderes conservadores se manifestam acerca de temas domésticos. Isso aconteceu, em alguma medida, no México, nas eleições do Canadá, nas eleições na Austrália”, afirma.

Como o “efeito Trump” tem impactado eleições no mundo

O impacto reativo ao líder americano em eleições nacionais já está a ser chamado de “efeito Trump” na análise política.

No Canadá, o Partido Liberal levou a eleição de forma surpreendente em abril, revertendo o favoritismo do Partido Conservador.

A virada ocorreu após Trump voltar ao comando dos EUA com fortes ataques ao país vizinho, incluindo provocações sobre fazer do Canadá o 51º estado americano. O contraponto ao novo governo dos EUA tornou-se mote central da campanha.

No mês anterior, a oposição de centro-direita da Groenlândia também surpreendeu e venceu as eleições gerais — uma votação dominada pela pauta da independência e pela promessa trumpista de assumir o controlo do território semiautónomo que hoje pertence à Dinamarca.

O partido Demokraatit (Democratas), que defende uma abordagem gradual para a independência, foi o mais votado para o Parlamento e liderou o governo de coligação.

Já em maio, o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, conquistou a reeleição com ampla vantagem. O resultado foi uma reviravolta em relação ao início do ano, quando as pesquisas apontaram a popularidade de Albanese em níveis historicamente baixos.

A sua vitória foi, em parte, atribuída ao efeito Trump, já que o seu opositor, Peter Dutton, foi criticado durante a campanha por ter ideologia semelhante à do presidente dos Estados Unidos.

No México, a eleição ocorreu antes da vitória de Trump nos EUA. No entanto, a presidente Claudia Sheinbaum alcançou mais de 80% de aprovação após meses no poder, popularidade impulsionada pelo fortalecimento do sentimento nacionalista contra as ações do novo presidente americano, segundo analistas políticos.

‘Impacto no Brasil pode ser limitado, mas determinante’

Para Rafael Cortez, um efeito semelhante pode ocorrer no Brasil, mas com intensidade menor, devido à forte polarização política entre os campos governista e bolsonarista.

Ainda assim, ressalta, o impacto pode ser determinante, numa eleição apertada, em que um grupo de eleitores de centro está em disputa.

Bolsonaro está inelegível após ser condenado no Tribunal Superior Eleitoral, mas a expectativa é que o campo da direita terá um candidato competitivo com o apoio dele, nota Cortez.

“A polarização cria alguma resiliência nas intenções de voto ou na imagem que os líderes políticos têm na sociedade. De tal sorte que vejo um efeito marginal [da interferência de Trump no eleitor]”.

“Ou seja, não é uma revolução, mas é um efeito que pode ser o suficiente para reverter [a baixa popularidade do presidente] e fazer o governo Lula tornar-se o favorito na eleição de 2026″, avalia.

Para o cientista político Creomar de Souza, diretor-executivo da consultoria de risco político Dharma Politics, Lula recebeu uma “bola quicando” como a decisão de Trump e a “pauta do nacionalismo está na sua mão”.

“Mas a questão é saber se o governo tem perna pra chutar a bola dentro da baliza. Se o governo vai conseguir ter uma resposta organizada, uníssona”, analisa.

Em entrevista ao Jornal da Record nesta quinta-feira, Lula não descartou a possibilidade de tentar a reeleição: “Vai depender no momento certo de discutir. Tem muitos partidos políticos para a gente conversar.”

Deputados e senadores alinhados ao governo e à oposição também repercutiram a decisão de Trump. Do lado dos bolsonaristas, o tom geral foi de culpar a suposta perseguição a Bolsonaro e o governo Lula pela nova taxa de Trump.

O primeiro da família Bolsonaro a manifestar-se foi o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que escreveu no X que Lula “conseguiu ferrar o Brasil“.

Já o senador Humberto Costa (PE-PT) usou a mesma rede social para criticar os adversários: “Isso é o bolsonarismo: jogar e torcer contra o Brasil“.

ZAP // BBC

2 Comments

  1. Trump nem se lembra da cara do Bolsosauro…. Porque o Brasil devia ser imune a brutalidade e falta de educação do Trump? Por estarem alinhados com a Russia e China e países duvidosos?

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