Três viúvas mudaram a história do champanhe

Viúvas conseguiam contornas as limitações de mulheres abrirem negócios. Há três casos de sucesso na indústria do champanhe.

Nos arredores da cidade de Reims, no nordeste da França, o subterrâneo esconde uma preciosidade. A 20 metros debaixo da terra, milhões de garrafas de champanhe sem rótulos forram as paredes rochosas de calcário. São, ao todo, mais de 200 km de adegas.

Algumas destas garrafas estão de cabeça para baixo, em correntes, brilhando a meia-luz. Outras, empilhadas em pequenas caves protegidas por portões de ferro.

Aqui é o marco zero do mercado mundial de champanhe. E, historicamente, nas caves, eram as viúvas quem reinavam.

Algumas das maiores inovações da indústria do champanhe devem-se à genialidade dessas mulheres. No século XIX, o código napoleónico proibia as mulheres de abrir negócios em França sem a permissão do pai ou do marido. Mas as viúvas não precisavam de seguir essa norma.

Isto criou uma brecha para que mulheres como Barbe-Nicole Clicquot-Ponsardin, Louise Pommery e Lily Bollinger, entre outras, transformassem as suas vinhas em impérios.

Elas acabariam por construir as bases para a indústria do champanhe, mudando para sempre a fabricação e a comercialização da bebida.

Barbe-Nicole Clicquot-Ponsardin — a Rússia e a remuage

Em 1798, Barbe-Nicole Ponsardin casou-se com François Clicquot, que, na altura, administrava o pequeno negócio de tecidos e vinho da família, originalmente chamado Clicquot-Muiron et Fils, em Reims.

O negócio acabou em desastre financeiro. Quando Clicquot morreu, em 1805, deixou a viúva com 27 anos, e Ponsardin tomou a decisão pouco convencional de assumir a empresa.

Precisando desesperadamente de dinheiro para financiar a sua empresa, pediu ao sogro o equivalente, em valores atuais, a cerca de 835 mil euros.

Desde o princípio, Barbe-Nicole usou a sua posição de viúva como ferramenta de marketing, com resultados positivos. A casa de champanhe passou a chamar-se Veuve Clicquot-Ponsardin“veuve” quer dizer “viúva”, em francês.

A marca “veuve” numa garrafa trazia credibilidade, e outros produtores de champanhe logo acompanharam a tendência, como Veuve Binet e Veuve Loche.

Barbe-Nicole fez um curso de quatro anos com um produtor de vinho local para alavancar os seus negócios, mas ficou novamente à beira da falência no início do século XIX.

Ela conseguiu mais 835 mil euros do seu sogro para recuperar a empresa. Mas isso não seria fácil durante as guerras napoleónicas na Europa continental, pois o encerramento das fronteiras dificultou a movimentação das mercadorias.

Em 1814, Barbe-Nicole sabia que as suas opções estavam a esgotar-se. Ameaçada pela falência, virou-se para um novo mercado: a Rússia. As fronteiras russas ainda ficariam fechadas até ao fim das guerras napoleónicas, mas ela decidiu furar o bloqueio.

Barbe-Nicole contrabandeou milhares de garrafas pela fronteira. Os riscos eram altos. Era o final da estação, e o calor poderia arruinar o champanhe. E, se fosse apanhada, as garrafas seriam confiscadas, aumentando ainda mais o risco da sua derrocada financeira.

Mas, felizmente, o champanhe chegou em perfeitas condições e conquistou o mercado russo. Com o crescimento da procura, veio a necessidade de aumentar rapidamente a produção.

O processo de retirada da borra de levedura morta do fundo das garrafas é uma etapa necessária na produção de champanhe, após o envelhecimento e a fermentação. Mas este é um trabalho monótono e prejudicial para a qualidade da bebida. Barbe-Nicole teve, então, uma ideia melhor.

Conhecida pelo termo francês “remuage”, criou uma técnica que é uma parte fundamental do processo de fabricação de champanhe até aos dias de hoje.

Louise Pommery – champanhe brut para os ingleses

A segunda viúva a revolucionar a indústria do champanhe foi Louise Pommery. Nasceu em 1819 e entrou no cenário da bebida no final da vida de Clicquot.

Quando Louise era jovem, a sua mãe mandou-a estudar em Inglaterra — uma decisão incomum que seria vantajosa para si ao longo da vida. Após completar os estudos, casou-se com Alexandre Pommery. Em 1856, o marido juntou-se a um sócio, Narcisse Greno, para expandir a sua casa de champanhe já existente. Surgia a Pommery et Greno.

Alexandre Pommery morreu em 1858. E, para Louise, o próximo passo era claro. Oito dias depois da morte do marido, ela tomou posse da empresa.

Clicquot pode ter conquistado a Rússia, mas Pommery estava decidida a dominar o mercado inglês.

O champanhe daquela época era muito doce. Algumas garrafas continham até 300 gramas de açúcar residual, muito mais que os cerca de 12 gramas atuais. A bebida era servida com gelo. Por isso, os ingleses não a apreciavam.

Mas Pommery acreditava que poderia produzir um champanhe mais adequado ao paladar deles. Foi assim que o seu champanhe “brut” (bruto) chegou ao mercado em 1874. O estilo era distintamente seco, fresco e intenso. O seu equilíbrio era perfeito, com paladar alegre e delicado, mas assertivo.

O turismo na região francesa de Champagne também surgiu graças à visão das viúvas. A maioria dos produtores de champanhe construía os seus castelos após atingir o sucesso comercial. Mas Pommery fez o contrário: construiu o seu castelo primeiro, justamente para atrair mais clientela.

Lily Bollinger — a conquista da América

Em meados do século XX, entrava em cena Lily Bollinger. Ela assumiu a casa de champanhe Bollinger em 1941 com a morte do seu marido e dono da marca, Jacques Bollinger.

Na altura, os direitos das mulheres ao controlo dos negócios ainda eram restritos. As mulheres só conquistariam o pleno direito ao emprego, serviços bancários e gestão de ativos sem permissão dos homens em 1965. Mas as viúvas ainda conseguiam evitar a aplicação das normas.

Bollinger levou o seu champanhe para os Estados Unidos. Passou três meses a viajar sozinha por todo o país mostrando os seus vinhos. Bollinger conquistou tanta popularidade que foi chamada de “primeira-dama de França” pelo jornal Chicago American em 1961.

Alguns anos depois, Bollinger lançava o champanhe vintage RD (“recently disgorged”, ou que teve a sua borra de levedura retirada recentemente).

Inovou a técnica de produção, envelhecendo a garrafa com a borra, a levedura morta e a casca das uvas por extensos períodos e retirando manualmente o sedimento da garrafa. Esse champanhe é um dos produtos mais cobiçados da marca até hoje.

A independência e a criatividade dessas três viúvas consolidaram o caminho para as futuras gerações de mulheres. As suas inovações ficaram imortalizadas em garrafas de vidro.

// BBC

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.