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Há três palavras portuguesas que não têm tradução para outras línguas

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Uma pesquisa de 2016 compilou palavras de várias línguas que não têm tradução, incluindo três em Português — saudade, desbundar e desenrascanço.

O caso de saudade já é bastante conhecido, mas e se lhe dissermos que há mais duas palavras portuguesas que são intraduzíveis? Foi para reunir estas e outras palavras semelhantes que Tim Lomas, da Universidade de Harvard, se aventurou numa busca por termos de várias línguas que não têm tradução.

Em declarações à BBC, Lomas diz que se inspirou pela primeira vez depois de ouvir uma palestra sobre o conceito finlandês de sisu, que é uma espécie de “determinação extraordinária diante da adversidade”.

De acordo com os falantes nativos de finlandês, as palavras “coragem”, “perseverança” ou “resiliência” não chegam nem perto de descrever a força interior resumida no sisu.

“No nosso fluxo de consciência – aquela onda de diferentes sensações, sentimentos e emoções – há tanto para processar que muita coisa passa por nós. Os sentimentos que aprendemos a reconhecer e rotular são aqueles que notamos – mas há muito mais dos quais podemos não estar cientes. E então acho que se recebermos estas novas palavras, elas podem ajudar-nos a articular áreas inteiras de experiência que apenas notamos vagamente”, refere Tim Lomas.

A pesquisa de Lomas em busca de outras palavras semelhantes levou à publicação de um estudo na revista Journal of Positive Psychology em 2016 que compila palavras de várias línguas que transmitem sentimentos intraduzíveis. Para encontrar as palavras, Lomas pesquisou na literatura académica e entrevistou pessoas do país de origem das palavras que pretendia decifrar.

Entre as palavras portuguesas, “saudade” é descrita como um “desejo melancólico ou nostalgia por uma pessoa, lugar ou coisa que está distante, seja espacialmente ou no tempo — uma melancolia vaga e sonhadora por fenómenos que podem nem existir”.

Na lista de sentimentos mais positivos, surge “desbundar“, que é definido como “livrar-se das inibições para se divertir”. O terceiro termo português incluído é “desenrascanço“, que significa “desembaraçar-se habilmente de uma situação problemática”.

Mas será que estas palavras não têm mesmo tradução para mais nenhuma língua? Na verdade, não é bem assim, já que saudade, desbundar e desenrascanço têm versões em Mirandês — “suidade”, “zbundar” e “zamrascanço“, respetivamente.

Apesar de ter sido declarado como a segunda língua oficial de Portugal em 1999, o Mirandês ainda é um idioma pouco reconhecido internacionalmente, o que pode explicar porque é que passa muitas vezes ao lado de estudos deste género.

Há já vários anos que a Associação de Língua e Cultura Mirandesa (ALCM) reivindica que Portugal faça uma ratificação da Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias, que visa proteger e valorizar os idiomas com menor expressão, para incluir o Mirandês na lista.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros anunciou a 7 de setembro de 2021 que Portugal assinara o documento, tendo por base dessa assinatura precisamente a inclusão da língua mirandesa. No entanto, o Governo não ratificou a Carta e apesar de o Parlamento ter aprovado em 2023 um projeto de resolução que recomenda a conclusão do processo, a ideia ainda não saiu da gaveta.

A título de curiosidade, ficam aqui mais algumas palavras intraduzíveis incluídas na pesquisa de Lomas:

  • Dadirri (Aborígene australiano) – um ato profundo e espiritual de escuta reflexiva e respeitosa
  • Pihentagyú (Húngaro) – significa literalmente “com um cérebro relaxado”, descreve pessoas perspicazes que podem inventar piadas ou soluções sofisticadas
  • Sukha (Sânscrito) – felicidade genuína e duradoura, independente das circunstâncias
  • Orenda (Huron) – o poder da vontade humana para mudar o mundo diante de forças poderosas como o destino
  • Tarab (Árabe) – êxtase ou encantamento induzido pela música
  • Gigil (Tagalog) – o desejo irresistível de beliscar ou apertar alguém que nos é querido
  • Yuan bei (Chinês) – uma sensação de realização completa e perfeita
  • Iktsuarpok (Inuit) – a antecipação na espera por alguém, com saídas constantes de casa para ver se a pessoa já chegou
  • Mbuki-mvuki (Bantu) – vontade irresistível de tirar a roupa enquanto se dança
  • Uitwaaien (Holandês) – efeito revitalizante de fazer uma caminhada ao vento

Artigo editado às 11h20 de dia 12 de dezembro para incluir a referência ao Mirandês

Adriana Peixoto, ZAP //

12 Comments

  1. Desbundar não é uma palavra portuguesa.
    Bunda não existe em português.
    No entanto, pouco me admira se não estivesse já nos diccionários dos acordeses

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  2. A palavra desenrascanço em português. No inglês nós dissemos: you are on your own, o que significa: estás sósinho, vê o que podes fazer. Desenrasca-te.

    • Ou seja, não tem tradução, visto ser preciso, um conceito para se obter o mesmo resultado. Quando se diz que uma palavra não tem tradução, significa que não existe uma palavra correspondente noutra lingua que tenha exactamente o mesmo significado.

  3. Esse senhor Tim Lomas, da Grande Universidade de Harvard, deveria ter feito melhor o seu trabalho e quem escreveu o artigo também. Saudade, tem tradução para várias línguas e também para alguns dialectos.

    As línguas em que existe a palavra “Saudade” são:
    Mirandês (como já referido) — suidade
    Crioulo (De cabo Verde e da Guiné-Bissau) – sodade
    Esperanto – Sopiro

    E depois temos 32 idiomas de origem portuguesa espalhados pelo mundo que não conheço o suficiente para saber se tem versões da palavra saudade, mas é muito provável que tenham, pelo menos, além do Crioulo de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, considerados lingua, sei que no Papiamento (Curaçau, Aruba e Bonaire, nas Antilhas) existe a palavra Anhelo que tem o mesmo significado que Saudade.

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    • Claro que tem ….A gaja e cega e o dr um trolha 🙂 …Ve a palavra saudade em Romeno …mi e dor de tine …tenho saudades tuas .. Até faz sentido …saudade também e uma dor, 🙂 na alma .

    • Na Galiza temos tb a palavra ‘saudade’ e algumas variantes. Minha avó falava de “soidades”, por exemplo. Acho que quando se fala duma palavra também devemos falar das variantes

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