Sem ar e sem a mãe. Transplante de Isabel está preso em burocracia

O apoio familiar é um dos fatores fundamentais para um doente poder ser transplantado. Isabel espera há quatro anos pela mãe.

Isabel Bapalpeme tem agora 29 anos e mora no Barreiro, depois de ter chegado a Portugal há oito anos, vinda de Cabo Verde. Quando tinha apenas 15 anos teve tuberculose e, por falta do tratamento necessário, seguiram-se anos de tosse e febre. Agora, o pulmão direito já não funciona e o esquerdo para lá caminha.

A história da jovem cabo-verdiana foi dada a conhecer pelo Expresso. Isabel tem dificuldades em caminhar, evidenciando clara falta de ar ao mínimo esforço.

“A Isabel tem o pulmão direito completamente destruído e tem o esquerdo com muitas sequelas. Tem uma função pulmonar muito comprometida. Precisa de oxigénio numa quantidade bastante grande, mas mesmo no máximo que o concentrador pode debitar, mantém a falta de ar. Mesmo com o oxigénio no máximo”, explicou ao jornal Público a pneumologista Ana Cysneiros, a primeira pessoa a tratar de Isabel em Portugal.

O transplante é a única solução e Isabel vai aguardando pacientemente na lista de espera. A jovem aguarda também pelo apoio da mãe, que não consegue viajar para Portugal.

O apoio familiar é uma das condições fundamentais para aumentar a probabilidade de sucesso deste tipo de intervenção cirúrgica. No entanto, há mais de quatro anos que a família e os amigos tentam que a mãe de Isabel possa fazer a viagem para Portugal.

“Em 2018, enviei dois relatórios [para a embaixada de Portugal na Guiné-Bissau]: estes documentos têm uma parte clínica, mas são muito explícitos a dizer que ela está em lista de transplante e que precisa da mãe. Uma das condições para o transplante é ter um familiar de apoio. O primo da Isabel, apesar de ter sempre dito que está disposto a isso, trabalha a tempo inteiro. O ideal é ser a mãe e era isso que estava à espera. Em doentes que temos de Cabo Verde, por exemplo, isso nunca foi um problema. Ela não vê a mãe há oito anos, seria ideal que fosse ela”, explicou Ana Cysneiros.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros informou que a mãe da jovem deveria comparecer esta segunda-feira na secção consular para tratar do visto.

“Como no processo apresentado em 2019 para o pedido de visto Schengen não constava nem morada postal, nem endereço eletrónico, começou por ser difícil à Embaixada contactá-la”, justificou o Ministério dos Negócios Estrangeiros ao jornal Público.

Depois da publicação da reportagem do Expresso, a mãe de Isabel, Sábado Gomes Bapalpeme, dirigiu-se à embaixada portuguesa em Bissau. Depois de duas horas a ser-lhe negada a entrada por falta de agendamento, Sábado foi atendida — mas o desfecho foi igualmente lamentável.

O funcionário administrativo recusou, por agora, a entrada do pedido, por falta de documentação, adianta o Expresso.

Os relatórios médicos que a embaixada tem desde 2018 já não servem e são necessário novos. Seguro de viagem, registo criminal, comprovativo de meios de subsistência, reserva de voo, o formulário, duas fotografias e a declaração médica a atestar a necessidade de assistência são os documentos exigidos a Sábado, apesar da urgência médica a que se deve a viagem.

“Não se compreende este pedido, uma vez que os relatórios já foram entregues em 2018 e desde então o estado de saúde só se agravou. O tempo da Isabel não é o tempo da burocracia”, lamenta Ana Cysneiros.

O Expresso voltou a confrontar o Ministério dos Negócios Estrangeiros com o ponto de situação, ao qual soube que “o Ministro deu instruções à Secção Consular da Embaixada em Bissau para não exigir mais do que o relatório médico já apresentado”.

Apesar das dificuldades de Isabel, a jovem guineense está a tirar o curso profissional de secretária administrativa. Numa onda de solidariedade, graças a donativos, foi possível angariar um portátil e toda a mobília em falta para o seu T1 no Barreiro.

Nas redes sociais, a enfermeira Carmen Garcia, autora da página “A Mãe Imperfeita”, angariou os 3.000 euros necessários para os bilhetes das viagens de avião da mãe e dos dois irmãos menores de Isabel. Só falta tratar da burocracia.

Isabel vive com 204 euros mensais, de Rendimento Social de Inserção (RSI), e da Guiné-Bissau, que a deveria auxiliar, não recebe qualquer verba. A renda do apartamento é de 241 euros, sendo esta ajudada a pagar por um familiar.

Daniel Costa, ZAP //

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