A 50 quilómetros das águas das Caraíbas colombianas, na praça de um povoado isolado entre as montanhas, uma expressiva escultura homenageia a memória de um herói excepcional.
Benkos Biohó é descrito como um homem “animado, valente e ousado” que, no final de 1599, comandou “uma revolta e retirada de certos negros fugitivos”, segundo o cronista espanhol Fray Pedro Simón.
A palavra “cimarrón” (fugitivo, em espanhol) usada pelo frade franciscano ao descrever Biohó já conta parte desta história.
Segundo o Dicionário da Real Academia Espanhola: “Cimarrón: Diz-se do escravo ou do animal doméstico que foge para o campo e se torna selvagem.”
A palavra evoca séculos de exploração cruel de milhões de africanos que foram arrancados dos seus lares e levados para o outro lado do mundo para serem vendidos e tratados como objetos a serviço dos seus senhores. Mas também fala de rebeliões ousadas.
Benkos Biohó – junto com a sua esposa Wiwa, os seus filhos e cerca de trinta homens e mulheres – liderou uma destas rebeliões. O seu grupo fugiu de Cartagena das Índias, cidade portuária na costa da Colômbia, e derrotou guardas enviados para os capturarem.
Na fuga, não pararam até chegar a esse lugar entre os Montes de María, que em 1714, após mais de um século de luta, foi legalizado, por decreto real, com o nome de San Basilio de Palenque – palenque é o termo em espanhol equivalente a “quilombo” em português.
É aqui, na praça central, que se ergue atualmente o monumento em homenagem ao herói, que sem a ajuda da sua esposa e de outras mulheres teria tido muito mais dificuldades em encontrar o caminho para a vitória.
Foi a astúcia dessas mulheres que criou um sistema de codificação para mostrar aos escravizados os caminhos para a liberdade sem que seus subjugadores percebessem.
Memorizar a paisagem
Na costa do chamado Novo Reino de Granada, as mulheres escravizadas inventaram uma maneira discreta e genial de criar e esconder – ainda que à vista de todos – mapas de orientação para espaços de liberdade.
As mulheres não despertavam tanta suspeita. Além disso, tendiam a sair mais dos seus ambientes do que os homens devido às tarefas que lhes eram atribuídas.
“Normalmente, o potencial, a sabedoria e a astúcia das mulheres são subestimados e é por isso que, no caso da Colômbia, elas conseguiram guardar muitos segredos, para depois usá-los a favor das comunidades: segredos de cura, culinária, plantação”, afirma Emilia Valencia.
“As palenqueras contaram-me que o lugar nasceu porque, quando as mulheres iam de fazenda em fazenda, fosse para fazer uma tarefa ou qualquer outra coisa, elas prestavam atenção às estradas e aos pontos-chave”, conta a fundadora da Amafrocol.
“Então elas transmitiam isso aos homens e, juntos, eles traçavam a estratégia.”
De raiz
“É preciso lembrar que os escravos vinham de diferentes regiões da África, falavam línguas distintas, e no início era difícil para todos se entenderem.”
Mas havia uma linguagem comum que trouxeram do seu continente de origem. “O que chamamos de ‘tranças de raiz’, aquela que fica presa no couro cabeludo, que são próprias dos povos africanos.”
E essas tranças falavam: contavam histórias, declaravam a condição social de quem as usava, deixavam claro o seu estado civil, a religião que professavam, identificavam-nas como membros de determinadas comunidades ou etnias.
No Novo Mundo, elas começaram a falar sobre liberdade. “Após combinarem com os homens, elas concordaram que iam usar as tranças, os penteados, como um código secreto que indicava os caminhos por onde deveriam escapar.”
As escravizadas tornaram-se cartógrafas sem lápis nem papel, criando e usando na cabeça mapas desenhados com cabelos.
“Foi assim que elas desenharam o que é conhecido como os famosos mapas de fuga ou as rotas de liberdade”, diz Valencia.
E não só isso.
Nesses penteados, as mulheres também guardavam objetos valiosos que seriam úteis quando chegassem aos palenques, como fósforos, grãos de ouro ou sementes preciosas para o cultivo.
Trançados para acorrentados
Para planear as fugas, as mulheres reuniam-se em torno das cabeças das mais jovens, nas quais desenhavam os seus mapas.
“Elas desenhavam com tranças, por exemplo, uma trança enrolada indicava uma montanha; aquelas que eram como cobras, sinuosas, indicavam que havia uma fonte de água – um riacho ou um rio –; uma trança grossa indicava que naquela seção havia um destacamento de soldados”, explica Valência.
“Os homens ‘liam’ os códigos que elas usavam nos seus penteados, desde a testa, que demarcava o local onde se encontravam, até a nuca, que representava a montanha, o local para onde deveriam ir na sua fuga”, destacou no estudo Poética do penteado afro-colombiano (2003) a socióloga Lina María Vargas.
As tranças também indicavam pontos de encontro, marcados com várias fileiras de tranças convergindo no mesmo local, cada uma representando um caminho possível.
Nestes pontos, eles encontravam-se durante a fuga para saber como estavam e tomar decisões. O último ponto ficava na nuca.
Além disso, às vezes havia tranças de comprimentos diferentes ao longo dos mesmos caminhos, dizendo a grupos diferentes até onde deveriam ir, pois os mais fortes tinham de proteger a retaguarda.
Todas essas informações e muitas outras foram passadas pelas cidades e campos da Colômbia colonial à vista de todos, mas para a compreensão de apenas alguns.
ZAP // BBC
Estando as comunidades escravas isoladas umas das outras nas propriedades dos respetivos ‘donos’, de que forma:
1. Ficaram de acordo na forma e significado das diversas tranças?
2. Depois de ficarem de acordo nas formas e significado, de que forma disseminaram esta informação para que código criado e acordado anteriormente, fosse útil à restante população escrava?
Conseguir estas duas coisas, parece-me BEM MAIS difícil do que criar o código escondido na forma das tranças.
Gostava de saber como terá isto sido feito.