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Toque Real: O “milagre” nas mãos dos reis que garantiu a estabilidade da monarquia medieval

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Watercolour by M S Lapthorn / Wikimedia

Maria I a exercer o “Toque Real”

Embora se tenha popularizado durante o período medieval, o “Toque real” – crença de que um monarca poderia curar um súbdito apenas com o contacto com as suas mãos – iniciou o seu percurso ainda durante o Império Romano.

Esta foi, durante séculos, uma das caraterísticas que as várias monarquias de todo o mundo tiveram. Os reis e as rainhas eram tidos como “escolhidos de Deus” e, como tal, o contacto direto com os monarcas poderia ter proporções divinas – no imaginário da população, poderia até ter o potencial de curar as doenças mais infames.

Em muitas monarquias, para receber o direito divino, acreditava-se que a alma do rei tinha sido oferecida a Deus na sua coroação. Isto significava que cada vez que o rei usasse a sua coroa, seria abençoado com poderes divinos.

Na época medieval, a população acreditava que, com a bênção de Deus, o rei governaria de forma justa e usaria os seus poderes para o benefício de seus súbditos.

Muitos monarcas, escreve o Ancient Origins, eram vistos como a encarnação de Deus e construíram uma reputação de possuidores de habilidades sobrenaturais. Um desses poderes ficou conhecido como o “Toque Real”.

O “Toque Real” também conhecido como o “Toque do Rei” tratava-se de uma bênção, semelhante a uma imposição de mãos. Foi amplamente praticado por monarcas ingleses e franceses ao longo da Idade Média. Na época, as pessoas de qualquer classe social podiam solicitar um encontro com o rei com o objetivo de receber o tão desejado “Toque Real”.

Acreditava-se que o rei, por supostamente ter um vínculo direto com Deus, tinha poderes de cura, e que o toque tinha a capacidade de curar doenças para as quais a medicina não tinha resposta. Neste sentido, muitas pessoas que foram diagnosticadas com graves doenças, pediram que o rei lhes tocasse, com o intuito de se recuperarem.

A solicitação do “Toque Real” começou a tornar-se usual entre pessoas que sofriam de escrófula – uma doença crónica e hereditária das glândulas linfáticas em que se alteram os fluidos, formando tumores que se podem ulcerar. Eram muitos os súbditos que acreditavam que o “Toque Real” poderia curar a escrófula, que também ficou conhecida como “mal do rei”.

No entanto, esta não era a única doença que a população medieval acreditava que o rei pudesse curar. Febre, reumatismo, cegueira e bócio, também estavam na lista de pedidos para o monarca.

Instrumento para manter a ordem social

A crença de que os reis tinham poderes de cura divinos era conhecida no mundo ocidental. Em alguns países da Europa, os monarcas usavam os seus potenciais poderes de cura como uma forma de propaganda política. Ou seja, o rei poderia alegar evidência manifesta dos seus poderes divinos, enquanto pintava uma imagem compassiva, benevolente e altruísta de si mesmo em frente dos seus súbditos. Para as monarquias inglesa e francesa, esta foi uma forma útil de manter a ordem social, recorda o Ancient Origins.

Esta narrativa era passada para fora das paredes dos palácios de uma forma muito bem estruturada. As pessoas acreditavam que o rei tinha poderes de cura, já que o próprio raramente era visto doente.

O rei mostrava-se sempre saudável e capaz, ou pelo menos era o que parecia nos retratos cuidadosamente pintados. Este pequeno truque, fazia com que a população achasse que o próprio monarca beneficiava automaticamente do “Toque Real”.

Numa época em que a instituição monárquica era muito menos estável do que nos séculos seguintes, com dinastias muitas vezes a subir ao trono na sequência de uma série de batalhas, esta foi uma forma de credibilizar o poder dos reis.

Inglaterra e França foram pioneiras

Um dos primeiros relatos históricos do “Toque Real” remonta ao século XI, em Inglaterra, onde o rei anglo-saxão Eduardo, o Confessor, iniciou a prática. O monarca era conhecido por curar a escrófula apenas com o toque nas mãos do paciente – e através da colocação de uma marca no seu pescoço.

Foram muitas as histórias que surgiram onde se ouvia que os doentes tinham ficado instantaneamente curados após o contacto com o rei.

Desta forma, o “Toque do Rei” passou a ser visto com ainda mais credibilidade perante a população. Era tido como “um milagre” e acabou por melhorar significativamente a autoridade do rei Eduardo. Mas, engane-se quem pensa que a cura foi fruto de uma obra de caridade. Na verdade, os doentes curados foram encorajados a fazer uma doação aos cofres reais após receberem “O Toque”.

A “tradição milagrosa” não ficou por aqui e foram vários os reis de Inglaterra que seguiram as pisadas de Eduardo.

Maria I, filha do rei Henrique VIII e da sua primeira esposa, Catarina de Aragão, foi uma das rainhas inglesas a exercer o “Toque Real”. Esta característica foi importante no seu reinado, pois ao exercer o ”poder de cura”, Maria conseguiu demonstrar que um monarca do sexo feminino poderia conduzir as cerimónias anteriormente prescritas apenas para um monarca do sexo masculino.

Em Inglaterra, a cerimónia do “Toque Real” continuou até ao reinado da sobrinha de Carlos II, a Rainha Ana (que faleceu em 1714). Com a sua morte sem descendentes, a dinastia dos Stuart chegou ao fim. A partir da ascensão da Casa de Hanôver, a tradição nunca mais foi retomada.

Já em França, a tradição foi ainda mais longe. O “Toque do Rei” era considerado significativamente eficaz na país. O rei Luís XIV não chegava para as encomendas e num domingo de Páscoa, conta a história, tocou em 1.600 pessoas. Este ritual, fez com que se tornasse tradição exercer o “Toque Real” em determinados dias sagrados.

Ana Isabel Moura, ZAP //

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