“Eu era uma mulher, agora sou outra”: o tabu da perda gestacional

O momento em que a mãe pega num bebé que morreu durante a gravidez: “Nunca pensei que existisse tanto silêncio”.

A perda gestacional, saber que o filho morreu ainda durante a gravidez, acontece a muitas mulheres. Mas ainda é um assunto tabu.

Decorreu recentemente uma semana de sensibilização para esse assunto, que terminou no passado dia 15 de Outubro, no Dia Internacional da Consciencialização da Perda Gestacional e Morte Neonatal.

A morte pode ser um aborto espontâneo (na fase inicial da gravidez), por interrupção médica, por morte fetal (a partir das 20 semanas).

Ou seja, pode ocorrer por exemplo às 6 semanas ou mesmo na fase final da gravidez.

O luto é uma dor válida e é o preço do amor que os pais têm pelo filho. E o luto não tem data para terminar.

Rita Cruz, enfermeira, avisou que este tema “ainda é tabu, muito silenciado, é preciso dar voz”, reforçando que há muitos casos em Portugal.

A enfermeira achava que na maternidade “só havia casos bonitos, mas não é só isso que acontece”.

“Para os profissionais não é fácil, mas é altura de os hospitais fazerem algo diferente para os casais serem acolhidos – casais que de repente ficam sem chão, num processo longo”, analisou a enfermeira, na SIC.

Rita acha que, às vezes, é mais importante “o estar do que ser muito. Silêncio e abraço na hora certa conforta muito os corações nestas horas mais apertadas”.

Silêncio

Renata Pintor passou por uma perda gestacional. Estava tudo bem até às 20 semanas mas houve interrupção de gravidez às 27 semanas. “Tive de esperar por burocracias e por resultados dos exames”.

O feticídio foi o momento mais difícil. “Senti o bebé a mexer até ao fim. Fica-nos marcado”.

Teve indução de parto normal. Ou seja, teve a bebé nos braços durante 30 minutos. Uma bebé morta.

“Foi um momento muito forte. Espera-se o choro do bebé, mas só se ouviu o choro da mãe e do pai“.

Nunca pensei que existisse tanto silêncio e, ao mesmo tempo, tanto barulho dentro de mim”.

Ao longo deste processo único, não se sentiu amparada por alguns profissionais de saúde; mas sentiu-se muito amparada no desfecho, com “muita humildade e humanidade” por parte dos profissionais de saúde com quem se cruzou.

Voltar a casa foi um momento “muito vazio”. Na primeira semana, Renata e o seu marido nem falaram com ninguém. “Precisávamos de nos mentalizar porque é quase como se tivéssemos feito um reset: tudo era a primeira vez para nós. É como se alterássemos tudo na nossa mente“.

O luto é constante: “Não existe superação na perda gestacional; aprendemos a lidar com a dor. A dor está lá, mas arrumada”.

Antes e depois

Ana Freitas perdeu o seu filho às 20 semanas de gravidez, devido a malformações no desenvolvimento do bebé.

“Foi uma perda avassaladora. A nossa vida fica fragmentada. Nós éramos uma pessoa antes da perda e somos uma pessoa completamente diferente depois da perda. Há um antes e um depois“, relata Ana.

“O chão abate-se e recomeçamos do zero. Tive de me reencontrar enquanto mãe, enquanto mulher, mesmo enquanto profissional”.

Perder um filho “é tão contranatura”, lamenta a mãe. “Não se supera a perda de um filho. O luto é um processo contínuo, não acaba”.

“As pessoas dizem, com as melhores intenções, que temos de superar, porque nos querem retirar daquela dor e daquele sofrimento – mas sofrer faz parte. Sofremos porque houve amor”.

É como se essas pessoas (bem-intencionadas) estivessem “a invalidar, a desvalorizar o nosso sofrimento e a vida dos nossos filhos. É quase como se quisessem que esquecêssemos aquele filho”, apontou.

Renata acrescenta: “Essa do ‘depois tens outro’ como se fosse uma substituição… Não”.

Ana assume que se passa por uma “reconstrução”, que envolve um aspecto importante: “O luto é integrarmos aquela perda na nossa vida”.

Mas, admite, “é difícil continuar”.

ZAP //

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