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Superbactérias: o novo cancro no apocalipse pós-antibiótico

Pandemia silenciosa vai ultrapassar o cancro como principal causa de morte no mundo, segundo alguns especialistas. Décadas de uso de antibióticos abriram portas ao apocalipse da resistência antimicrobiana.

A principal causa de morte em todo o mundo pode deixar de ser o cancro para vir a ser assumida por uma pandemia silenciosa, conhecida entre os especialistas como resistência antimicrobiana (RAM), um fenómeno onde os micróbios evoluem para superar os medicamentos destinados a eliminá-los.

A ameaça das superbactérias é cada vez mais palpável e os médicos estão cada vez mais reticentes no momento de prescrição de antibióticos, cuja era pode já ter-se evaporado, segundo o IAI.

Um estudo realizado por investigadores da Universidade de Hong Kong forneceu recentemente a primeira prova de como os vírus em ambientes artificiais influenciam as bactérias, conduzindo potencialmente à resistência aos antibióticos.

O estudo, publicado na revista Nature Communications, revelou que os vírus, incluindo os bacteriófagos que infetam especificamente as bactérias, transmitem genes que ajudam as bactérias a sobreviver em ambientes pobres em nutrientes e podem conferir resistência aos antibióticos. Locais como corrimões, maçanetas e até a nossa própria pele são pontos de encontro para vírus e bactérias.

A escala da RAM é impressionante. Não se trata apenas de bactérias; vírus, parasitas e fungos estão todos envolvidos. Embora a RAM seja um acontecimento natural, oito décadas de uso generalizado de antibióticos aceleraram o processo. A mistura de troca de genes microbianos e alguns fatores humanos, como viagens e comércio, agrava ainda mais o seu alcance.

Aliás, as repercussões já são visíveis. Em 2019, segundo um estudo do The Lancet, infeções bacterianas resistentes resultaram em 1,27 milhões de mortes a nível global — cerca de metade das mortes atribuídas à COVID-19 em 2020, um número que espelha a taxa de mortalidade anual combinada de HIV/SIDA e malária.

Projeções futuras são ainda mais alarmantes. Um relatório O’Neil de 2016 estima que, até 2050, a RAM poderá reivindicar dez milhões de vidas anualmente, destronando potencialmente o cancro. No entanto, estas fatalidades não são distribuídas de maneira uniforme. Na África Subsariana Ocidental, por exemplo, foram registados os maiores valores de mortes relacionadas com RAM no recente estudo do Lancet.

 

Embora agregar dados à escala nacional possa fazer a RAM aparecer como uma ameaça universal, é essencial reconhecer as vidas que constituem essas estatísticas. Para combater verdadeiramente a RAM, os esforços globais devem priorizar os mais vulneráveis, considerando fatores como habitação, género, estatuto social e acessibilidade aos cuidados de saúde. Especialistas pedem um “cara-a-cara” com a resistência, através do reforço da infraestrutura de saúde pública em vez do foco em soluções de curto prazo.

Educar o público e aceitar que já estamos na fase “pós-antibiótico” é fundamental e exige uma ação coletiva. Como a população global continua a residir em áreas urbanas, a importância da higiene em ambientes artificiais torna-se cada vez mais importante.

Tomás Guimarães, ZAP //

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