Soldado da Guerra Civil Espanhola baleado na cabeça viu o mundo “ao contrário”

Coleção familiar / El País

Depois de levar um tiro na cabeça, em 1938, durante a Guerra Civil Espanhola, um soldado começou a ver o mundo ao contrário.

De acordo com um novo relatório, publicado na revista Neurologia, quando os médicos examinaram o soldado espanhol de 25 anos encontraram ferimentos de entrada e saída da bala do crânio, mas que não exigiram cirurgia.

No entanto, tudo mudou quando soldado recuperou a consciência, duas semanas mais tarde.

Justo Gonzalo Rodríguez-Leal, neurologista, assistiu o paciente num hospital militar próximo. Apercebeu-se de que o caso único – a que chamou Paciente M – podia iluminar o funcionamento do cérebro humano.

O médico documentou o “estranho caso” no seu livro — Brain Dynamics (Instituto S. Ramón y Cajal, 1945).

Algumas das suas notas diziam: “Ao recuperar desse estado, [o paciente M] percebeu que quase havia perdido a visão”.

O paciente M disse que as pessoas e objetos apareciam no lado oposto de seu campo de visão, em vez de onde realmente estavam localizados. O mesmo acontecia com ruídos e toque.

Ele podia ler números e letras — tanto para frente como para trás — com facilidade e, muitas vezes, via coisas em triplicado e com cores que pareciam estar separadas dos objetos.

Segundo o El País, Gonzalo também achou estranho que “M olhasse para o relógio de pulso de qualquer direção para ver as horas”.

O neurologista diz ter ficado particularmente intrigado com a forma como o soldado podia “ler o jornal fluentemente e com a mesma facilidade na posição normal e de cabeça para baixo”.

Para Gonzalo, no geral, os distúrbios passam — quase ou totalmente — despercebidos, tanto pelo paciente M, como por outros pacientes que sofreram lesões semelhantes.

Mais tarde, quando os pacientes os descobrem, não se parecem preocupar. Consideram como algo temporário que não afeta ou compromete a sua vida diária.

O neurologista continuou a estudar o paciente M durante décadas, criando a sua teoria da dinâmica cerebral no processo.

Depois da sua morte, em 1986, Isabel Gonzalo, filha do neurologista, remexeu nos arquivos do pai — caixas com centenas de documentos e fotografias — para redescobrir o caso, juntamente com o neuropsicólogo Alberto García Molina.

García Molina explicou que, nos anos 30, a perspetiva modular continuava a ser dominante. “O cérebro era visto como pequenas caixas. Quando se alterava uma caixa, supostamente havia um défice concreto”.

“Para o Dr. Gonzalo, as teorias modulares não conseguiam explicar as questões que surgiam com o paciente M, então começou a criar a sua teoria da dinâmica cerebral, rompendo com a visão hegemónica sobre como o cérebro funciona”.

Gonzalo propôs que os sintomas de danos cerebrais dependiam da “magnitude e posição” da lesão ou lesão dentro do órgão.

Então, identificou três síndromes gerais que podem ocorrer após uma lesão cerebral: central (interrupções que afetam múltiplos sentidos), paracentral (semelhante à central, mas os efeitos não são distribuídos uniformemente entre os sentidos) e marginal (afetam as vias cerebrais apenas para certos sentidos).

Descobriu que a “alteração patológica observada após uma lesão cerebral é resultado de um jogo de gradientes. Na síndrome central, a lesão envolve a área onde a sobreposição dos gradientes visual, tátil e auditivo é maior, daí o seu caráter simétrico multissensorial ”.

Sem tratamento, o paciente M viveu o resto da sua vida dentro dessa perceção alternativa. Morreu no final dos anos 1990.

Teresa Campos, ZAP //

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