Caminhou durante 40 dias no vasto deserto e carregou uma cruz muito pesada nas suas costas, mas será por isso que apresenta um corpo absurdamente esbelto e tonificado na maior parte das imagens da crucificação?
Já alguma vez se perguntou por que razão tantas imagens que retratam a famosa crucificação mostram Jesus com um corpo extremamente definido, esbelto e tonificado? Ou então, por vezes, magro, mas com abdominais definidos, num sinal de músculo e força?
Embora estas imagens estejam longe de refletir o pouco que se pode deduzir sobre o histórico Jesus, certamente refletem ideias sociais e culturais sobre a masculinidade e noções idealizadas de virilidade.
Em muitas imagens da crucificação, Jesus é retratado tanto forte quanto vulnerável. As pinturas da crucificação que exibem um messias musculado sugerem que Jesus poderia, fisicamente, ter superado o seu destino, se assim o desejasse. Esta interpretação da história da crucificação amplifica a força emocional e espiritual do seu sacrifício.
Mas não é só Jesus: a Bíblia está cheia de homens fortes e profetas musculados. Trabalhar a terra é o castigo de Adão por comer da Árvore do Conhecimento; Noé constrói uma arca gigantesca, enchendo-a com todos os tipos de aves, animais e alimentos; Sansão tem uma força sobre-humana no livro dos Juízes — a sua única fraqueza são as mulheres.
A abertura do Evangelho de Mateus detalha a genealogia de Jesus e é claro que há outros homens fortes no seu DNA. Fala-se de Abraão e David, particularmente.
Em Génesis 14, Abraão reuniu um exército de mais de 300 homens e lançou um grande ataque para salvar a sua família. Em Génesis 21, ele também é pai de um filho aos 100 anos — o seu filho, Isaac.
David é também mencionado como um antepassado de Jesus. Ficou famoso por matar Golias, cuja estatura imensa foi estimada em cerca de 3 metros. No Livro de Samuel, David mata 200 homens filisteus e traz os seus prepúcios ao Rei Saul, para que este lhe permita casar com a sua filha, Mical.
Enquanto algumas representações de Jesus causaram indignação, como aquelas, por exemplo, que o representam de forma feminina ou sexualizada, um alarido semelhante parece não acompanhar o Jesus mais musculado.
Há uma história nos evangelhos sobre a força física de Jesus, quando este expulsa aqueles que estavam a comprar e a vender no templo, virando as mesas na sua ira. No Novo Testamento, os evangelhos narram ainda uma Parábola do Homem Forte.
A resistência à tortura física antes da crucificação tem sido bem documentada na iconografia religiosa, tal como nas Estações da Cruz, bem como em filmes como A Paixão de Cristo (2004) com Mel Gibson. Jesus também teve de ser mentalmente forte para superar Satanás, por isso, as representações da sua força física são talvez supostas ecoar a sua força espiritual sobre-humana.
“Eis o homem!”
Pinturas que retratam Jesus com abdominais definidos influenciaram várias áreas do Cristianismo. No século XIX, a ideia do “cristianismo muscular” ganhou força. O termo, inventado em 1857, descreve aqueles cristãos que veem valor moral e religioso nos desportos.
No seu livro God’s Gym (1997), o professor de religião Stephen Moore explora a procura por Jesus numa forma masculina humana perfeita, e como isto está conectado à cultura física e ao narcisismo masculino. A espiritualidade cristã masculina é frequentemente alinhada com os valores de coragem, força e poder.
Embora o seu ministério não seja conhecido pelo foco no exercício físico, a forma física de Jesus pode ser vista em algumas interpretações dos evangelhos. Afinal, Cristo caminhou durante 40 dias no vasto deserto e carregou uma cruz pesada nas suas costas.
Uma ilustração do evangelho de Daniel de Uranc (1433) mostra a alimentação dos 5000. Através da Eucaristia (“tomai e comei, isto é o meu corpo”), o corpo de Jesus tornou-se sacramento. Isto tem implicações palpáveis para muitos cristãos modernos. Se a forma física de Jesus é um sinal da sua santidade, então é algo a aspirar.
A teóloga Lisa Isherwood, no seu livro The Fat Jesus (2008), explora as culturas de perda de peso das mulheres cristãs através de programas como “Slim for Him”. A teóloga feminista Hannah Bacon, no seu livro Feminist Theology and Contemporary Dieting Culture (2019), analisa o uso problemático de “pecado” para referir a alimentos “maus” em programas de perda de peso.
Para alguns cristãos, as representações de Jesus como forte e musculado representam o corpo masculino ideal. Estes cristãos interpretam histórias bíblicas de formas que espelham estas pinturas e alguns acreditam que as ideias bíblicas de masculinidade estão sob ataque.
Em forma de resposta, organizam eventos para atrair homens para a igreja e promover os ideais da masculinidade bíblica. Louvar um ideal de corpo para homens – e para Jesus – faz parte disso.
Da próxima vez que estiver a olhar para uma pintura de Jesus numa igreja ou galeria, lembre-se de que tais imagens refletem atitudes sociais e culturais contemporâneas em relação ao corpo dos homens, em vez de autenticidade, na sua arte.
ZAP // The Conversation