Se os dragões existissem, seriam uma mistura de vaca, besouro e enguia elétrica

HBO

Daenerys Targaryen e o seu dragão, Drogon, em “Game of Thrones”

Para conseguir cuspir fogo, um dragão teria que ter o aparelho digestivo de uma vaca, o canhão que cospe fogo de um besouro bombardeiro, e uma enguia elétrica. Com um toque de gaivota.

Na terra fantástica de Westeros de George R.R. Martin em “Game of Thrones” e “House of the Dragon”, o espetáculo dos dragões a cuspir fogo cativa o seu público através de uma mistura de mito e fantasia.

Para Mark Lorch, professor de Química na Universidade de Hull, no Reino Unido, há também uma curiosidade científica.

As imagens de dragões a libertar torrentes de chamas na nova série da HBO puseram o cientista a pensar: se os dragões existissem, que mecanismos biológicos e reações químicas do mundo real poderiam utilizar?

O professor britânico dá a resposta num artigo no The Conversation, e começa com uma recapitulação de alguns conceitos básicos da química.

Para acender e manter uma chama, precisamos de três componentes: um combustível, um agente oxidante (normalmente o oxigénio do ar) e uma fonte de calor para iniciar e manter a combustão.

Comecemos pelo combustível. O metano pode ser um candidato. Os animais produzem-no durante a digestão. As imagens no ecrã de Westeros mostram que os dragões gostam de comer ovelhas.

No entanto, os nossos dragões movidos a metano teriam de ter uma dieta e um sistema digestivo mais parecido com o de uma vaca para produzir gás suficiente para incendiar uma cidade.

Há também um pequeno problema com o armazenamento de quantidades suficientes de gás metano: a pressão.

Um cilindro de metano típico pode ter até 150 atmosferas de pressão, enquanto até mesmo um intestino inchado só pode tolerar um pouco mais de uma atmosfera — pelo que não há uma base biológica que permita que os animais não marinhos consigam armazenar gases a alta pressão.

Uma melhor opção seria um líquido. O etanol poderia ser uma opção. Talvez os nossos dragões tenham um tanque de fermentação de levedura nas suas entranhas.

No entanto, o armazenamento é mais uma vez um problema. O etanol atravessa rapidamente as membranas biológicas, pelo que mantê-lo em concentrações elevadas e pronto a ser acionado ao sinal “dracarys“, que se traduz por “fogo de dragão” na língua fictícia Alto Valiriano, exigiria uma biologia de outro mundo.

Por isso, se nos cingirmos a explicações com pelo menos um pé na biologia do mundo real, então a opção preferida do professor de química é uma substância mais à base de óleo.

Como qualquer pessoa que tenha acidentalmente pegado fogo a uma frigideira sabe, isto pode ser uma fonte de chamas crepitantes. Existe uma base biológica para este facto na gaivota fulmar.

Esta gaivota produz óleo estomacal rico em energia que regurgita para alimentar as suas crias. O óleo também serve de dissuasor. Quando ameaçado, a fulmar vomita o óleo pegajoso e malcheiroso sobre os predadores. Felizmente, as gaivotas ainda não desenvolveram forma de incendiar o seu vómito.

Alimentar as chamas

Agora que temos uma fonte de combustível, vamos voltar a nossa atenção para o agente oxidante. Como na maioria dos fogos, este será muito provavelmente o oxigénio.

No entanto, é necessário mais do que oxigénio no ar circundante para gerar um jato de óleo flamejante sob pressão suficientemente quente para derreter um trono de ferro. E teria de estar bem misturado com o combustível. Quanto melhor for o fornecimento de oxigénio, mais quente será a chama.

Um dragão poderia usar alguma química usada pelo besouro bombardeiro, uma espécie de escaravelho terrestre com um canhão químico que cospe ácido a partir da sua traseira.

Este inseto desenvolveu reservatórios adaptados para armazenar H2O2, ou peróxido de hidrogénio. Bem talvez seja melhor dar-lhe o nome que todos conhecemos: água oxigenada, o material que se usa para clarear o cabelo.

Quando ameaçado, o escaravelho empurra o H2O2 para um compartimento que contém enzimas que decompõem rapidamente o peróxido de hidrogénio em água e oxigénio.

Esta é uma reação exotérmica, que transfere energia para o meio envolvente e, neste caso, aumenta a temperatura da mistura até quase ao ponto de ebulição. A reação é tão agressiva que é por vezes utilizada para impulsionar foguetões.

O aumento de pressão provocado pela rápida produção de oxigénio e pela água em ebulição força a mistura nociva a sair por uma abertura no abdómen do escaravelho e a dirigir-se para a sua presa ou ameaça.

Se usada por um dragão, esta reação teria algumas características interessantes. Criaria a alta pressão necessária para impulsionar o jato de combustível oleoso, e a reação exotérmica aqueceria os óleos, tornando-os mais prontos a entrar em combustão. Mais importante, geraria oxigénio que impulsionaria a reação de combustão.

Tudo o que o dragão precisaria era de uma espécie de equivalente biológico de um carburador de motor a gasolina para misturar o óleo com o oxigénio e criar uma mistura explosiva. Como bónus, a mistura em erupção formaria provavelmente uma fina névoa de gotículas de óleo, como um aerossol, que se inflamaria ainda melhor.

A faísca

Finalmente, precisamos de uma faísca para inflamar a mistura. Para isso, Mark Lorch sugere que os dragões teriam desenvolvido um órgão elétrico semelhante ao que se encontra em muitos peixes, em particular nas enguias eléctricas.

As enguias elétricas podem gerar impulsos curtos de até 600 volts,  suficientes para criar uma faísca através de um curto espaço de ar. Se estas faíscas se descarregassem através das condutas na parte de trás da boca de um dragão, poderiam incendiar o jato de alta pressão de óleo e oxigénio.

Embora nunca venhamos a ver um dragão a libertar torrentes de chamas fora do domínio da ficção, é intrigante refletir sobre a ciência por detrás da fantasia, e o professor da Universidade de Hull não é o primeiro a fazê-lo.

Em 2022, Henry Gee, famoso biólogo evolucionário e autor de “A (Very) Short History Of Life On Earth”, também se debruçou sobre o assunto.

O biólogo britânico cita também como exemplo o besouro bombardeiro, sugeria o álcool dietílico como combustível, e diz que a ideia afinal “não é tão parva como parece”: os dragões que cospem fogo poderiam existir.

ZAP //

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