Fim dos T1, cheque-café ou part-time para mulheres: como resolver uma crise demográfica, segundo a Rússia

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E mil euros, dará vontade de não abortar? Eis algumas das soluções da Rússia para resolver a crise demográfica mais grave da sua história.

São propostas que vão para lá do desespero. A crise demográfica atual na Rússia já é histórica e parece estar a assustar a Duma: os planos de alguns deputados e senadores para aumentar a taxa de natalidade estão a tornar-se bizarros.

Os nascimentos voltaram a cair (2,4%, face ao período homólogo) no primeiro trimestre de 2025. É “um anti-recorde para os nascidos desde a virada dos séculos XVIII-XIX”, escreve o demógrafo Alexei Raksha na TASS.

Part-time para as mulheres: estão “cansadas”

Uma das propostas mais polémicas parece ser uma “versão russa” do Estatuto Dona de Casa que por cá foi tão falado. O deputado Igor Antropenko, do partido Rússia Unida, sugeriu esta semana a redução do dia de trabalho das mulheres, uma vez que chegarão atualmente demasiado cansadas a casa para constituir família.

“É muito difícil ter tempo, saindo do trabalho às 18:00, para acompanhar as crianças, que como resultado ficam com uma mãe cansada, o que não é um bom exemplo para a geração mais nova. As raparigas concluem que não é assim que querem e já dizem que não vão ter filhos”, disse o deputado da Duma à agência estatal.

Uma mulher precisa de muito mais tempo do que um homem. Estamos a falar da metade mais bonita da humanidade! Há uma questão de demografia crescente, e quando é que uma jovem terá tempo para construir uma vida pessoal se passa o dia inteiro no trabalho e depois vai para casa cansada? Considero pertinente e oportuno reduzir o dia de trabalho do nosso belo sexo pelo menos uma hora, preservando os salários”, terminou.

Mas esta é só uma entre muitas (mas mesmo muitas) sugestões dos legisladores dos últimos meses.

Adeus, álcool ao domingo e apartamentos T1

A proibição da venda de bebidas alcoólicas ao domingo também está em cima da mesa. “Um dia de folga deve ser dedicado à família, ao desporto, à arte”, escreveu em março o deputado Andrey Svintsov, porque “é preciso preparação para o dia de trabalho”.

Já o ministro Alexey Chekunkov quer exigir que os bispos batizem pessoalmente o terceiro filho de cada família, como incentivo.

Limitar a construção de apartamentos de tipologia T1, para incentivar os casais a constituírem famílias mais numerosas, é a solução do vice-presidente da Comissão para a Estrutura Federal Anatoly Shirikov, segundo o Senatinform.

Até a publicidade está sujeita a restrições. O deputado Dmitry Gusev quer garantir que os anúncios publicitários retratem apenas famílias com pelo menos três filhos, de acordo com a TASS. Isto depois de Putin ter proibido em novembro a “propaganda sem filhos”, que impede a promoção de um estilo de vida sem filhos, sem esquecer a proibição total do movimento LGBT.

“Deixem os pais em paz” com vales para cafés

E ainda nem chegamos aos vales para cafés, ou teatros, para dar mais privacidade a pais enquanto as crianças são enviadas para excursões e viagens.

A proposta é de Valery Golovchenko, presidente da Comissão de Empreendedorismo, Desenvolvimento Inovador e Tecnologias da Informação da Duma de Moscovo, que quer “criar assim uma aura, uma atmosfera”.

“Eu digo: deixemos os pais em paz. Três passos para o fazer. Temos de desenvolver o turismo escolar, o turismo de excursões escolares. Deixar que as crianças saiam de casa durante alguns dias, três ou quatro dias, e que os pais fiquem em casa. A primeira coisa que precisamos é de aumentar o financiamento nesta direção”, disse Golovchenko, citado pela agência russa MSK.

E dinheirinho, não? Sim, e em alguns casos, “batido” em cima das liberdades individuais.

Propinas (e notas) grátis para grávidas e lotaria para bebés

Alguns legisladores (neste caso, Sultan Khamzayev) propuseram o pagamento de 100.000 rublos (cerca de 1.071 euros) às estudantes grávidas, para as dissuadir de abortar e darem a criança para adoção; outros sugerem propinas universitárias gratuitas para as estudantes que dão à luz.

E dar preferência de entrada na faculdade às estudantes que dão à luz um ano antes da candidatura, como propõe ao ministro da Educação Andrey Kutepov, membro do Conselho da Federação? É uma “conquista individual” que deve ser parabenizada, diz:

“Propõe-se que seja analisada a proposta de introdução de preferências adicionais para a admissão em estabelecimentos de ensino superior de mulheres que tenham dado à luz um filho (ou filhos) no prazo de um ano antes de apresentarem os documentos a um estabelecimento de ensino superior. Propõe-se que os filhos sejam considerados uma conquista individual, para a qual é necessário prever a acumulação do número máximo de pontos adicionais aos resultados dos exames”, diz a carta do responsável para o ministério, divulgada pela TASS.

Há até quem fale em passar a desencorajar totalmente a ida das mulheres para a universidade, uma proposta que vem de uma mulher, a senadora Margarita Pavlova, em entrevista ao Tsargrad entretanto retirada.

E trazer de volta os bailes nas escolas? “Precisamos de locais onde um rapaz possa convidar uma rapariga para sair”, segundo Natalia Agre, Diretora do Departamento de Política de Estado para a Educação.

“Onde está o romance das crianças?”, questiona. “Entre os 18 e os 21 anos, temos uma idade em que os miúdos se querem ver na vida familiar: apenas 8%. É um valor muito baixo”, disse em fevereiro, citada pela Agentstvo Media: “não criámos as condições para que tenham relações românticas”.

Uma lotaria nacional para recém-nascidos, com carros, apartamentos e eletrodomésticos como prémio para os novos pais, é a proposta de Boris Chernyshov;  quotas para o número de filhos que os empregados devem ter, é a proposta da deputada Tatyana Butskaya.

É uma corrida contra o tempo, porque os objetivos do presidente Putin mandam: a taxa de natalidade na Rússia deve atingir os 1,6 filhos por mulher até 2030 e 1,8 até 2036. Atualmente, a natalidade está nos 1,4 — muito abaixo dos 2,1 supostamente necessários para sustentar uma população.

Mas os demógrafos familiarizados com a realidade russa continuam a avisar que o problema não está só relacionado com a natalidade, mas também com o aumento da mortalidade.

Tomás Guimarães, ZAP //

3 Comments

  1. A crise demográfica na Rússia tem origem na quantidade de mortes na frente de batalha, que pelos vistos vai continuar.

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    • Também. Mas o número de nascimentos tem diminuído.
      Ou seja, há aumento de mortes e diminuição de nascimentos. Uma catástrofe demográfica.

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