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Os retratos de Marilyn Monroe pela mão de Andy Warhol expõem o lado negro dos anos 60

Ken Arnold / Flickr

O famoso “Shot Sage Blue Marilyn” de Andy Warhol vai a leilão em Maio e espera-se uma venda recorde — mas atrás do glamour e nostalgia da década de 60 presente das obras do movimento de Pop Art, há um lado negro.

“Se te lembras dos anos 60, não estavas mesmo lá”. Esta famosa expressão diz muito sobre a nossa visão cor de rosa e nostálgica da década. O hedonismo do Woodstock e a Beatlemania podem estar escritos na memória cultural, mas o retrato de Marilyn Monroe de Andy Warhol revela um lado negro dos loucos anos 60 que revira a nostalgia dos pés à cabeça.

Espera-se que o retrato icónico de Marilyn Monroe de Warhol “Shot Sage Blue Marilyn”, que vai ser vendido pela Christie’s em Maio, seja alvo de licitações recorde de 200 milhões de dólares (185 milhões de euros), o que o torna a obra de arte do século XX mais cara a ser leiloada.

Quase 60 anos depois, os retratos de Warhol da infeliz estrela de Hollywood continuam a fascinar-nos. Segundo Alex Rotter, presidente do departamento da Christie’s dedicado à arte dos séculos XX e XXI, a Marilyn de Warhol é “pináculo absoluto do Pop Americano e da promessa do sonho americano, encapsulando o optimismo, a fragilidade, a celebridade e a iconografia ao mesmo tempo”.

As estrelas de Hollywood foram grandes fontes de inspiração para o movimento Pop art. Monroe era uma inspiração recorrente, não só para o trabalho de Warhol mas também no trabalho dos seus contemporâneos.

O luto de Marilyn

Nascida Norma Jeane Mortenson mas chamada Marilyn Monroe pela 20th Century Fox, a atriz tornou-se uma das estrelas mais ilustres da história de Hollywood, famosa pelos seus papéis em filmes clássicos como Gentlement Prefer Bondes e Some Like It Hot. Ela sintetizava o mundo brilhante do consumismo e a celebridade que os artistas Pop consideraram emblemáticos da cultura americana nos anos 50 e 60.

Apesar da frase de Rotter ser verdadeira até certo ponto, há também um lado mais sinistro por detrás dos retratos de Marilyn, já que muitos foram produzidos nos meses seguintes à sua morte inesperada em 1962.

À superfície, os trabalhos parecem um tributo a um ícone muito amado, mas os temas da morte, degradação e até violência escondem-se nestas telas. As pistas podem muitas vezes ser encontradas nas técnicas de produção. Uma das peças mais famosas da coleção, Marilyn Diptych, usa defeitos do processo de serigrafia para criar o efeito de um retrato em decomposição.

O The Shot Marilyns, de Warhol, consiste em quatro telas atiradas através da testa com uma única bala. Nisto, a criação da arte de Warhol é tão importante como a obra em si.

Morte e desastre

À primeira vista, o glamour superficial da Marilyn de Warhol imortaliza a atriz como a loira sensual da era passada de Hollywood. É fácil esquecer a tragédia atrás da imagem, mas muito do nosso fascínio com Marilyn Monron é a sua tragédia.

As suas lutas com a saúde mental, a sua vida pessoal conturbada e o mistério em torno da sua morte já foram bem documentados em muitas biografias, filmes e séries televisivas. Ela representa a narrativa familiar de um ícone trágico que está condenada a repetir-se — algo que Warhol entendia bem depois de ter sobrevivido aos tiros que Valerie Solanas disparou sobre si em 1968.

A morte no coração das Marilyns de Warhol não se baseia só no luto, mas também é uma reflexão de uma paisagem cultural mais alargada. Os anos 60 foram um período notavelmente negro na história americana no século XX. Uma observação breve ao contexto em que Warhol estava a produzir as imagens revela uma década marcada por uma série de eventos traumáticos.

A Life Magazine publicou fotografias violentas da guerra no Vietname. A televisão emitia brutalidade policial chocante durante as marchas dos direitos civis. A América foi abalada pelos assassinatos de John F. Kennedy, Robert Kennedy e Martin Luther King Jr.

As imagens da morte de JFK capturadas pelo espectador Abraham Zapruder foram repetidas na televisão. As estrelas celebradas de Hollywood estavam a morrer jovens e em circunstâncias trágicas, desde Marilyn Monrow a Judy Garland, Jayne Mansfield ou Sharon Tate.

Esta imagem dos anos 60 é ecoada pelo teórico pós-modernista Fredric Jameson, que descreve a década como um “pesadelo virtual” e uma “má moca histórica e contracultural”. Estrelas como Monroe não eram tão perfeitas como pareciam nos retratos de Warhol, mas eram “casos notórios de burnout e auto-destruição“.

Warhol entendia isto melhor do que ninguém. A sua série “Death and Disaster” explora o espetáculo da morte na América e afirma os anos 60 como um tempo de ansiedade, terror e crise. A série consiste numa vasta coleção de fotografias em serigrafia de desastres na vida real, como acidentes de carro, suicídios e execuções, retiradas de jornais e arquivos policiais.

Mortes famosas também são um tema central da série, incluindo retratos de Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor e Jackie Kennedy — todas associadas a mortes impactantes ou a experiências próximas da morte.

A “Death and Disaster” surgiu em 1962, quando o colaborador de Warhol, Henry Geldzahler, sugeriu que o artista parasse de produzir arte como a “afirmação da vida” e que explorasse o lado negro da cultura americana.

“Talvez nem tudo é sempre fabuloso na América. Está na hora de alguma morte. É isto que está mesmo a acontecer”, afirmou, entregando-lhe uma cópia do New York Daily News, que inspirou a primeira pintura de um desastre — 129 Die in Jet!

O burburinho recente em torno do leilão do retrato de Marilyn revela tanto sobre os nossos tempos como sobre a nossa nostalgia em relação aos anos 60. Escolhemos lembrar a década na sua tecnicolor gloriosa, mas desvendar os seus momentos mais negros dá espaço para a reconsideração. Talvez a Marilyn de Warhol não seja só um símbolo dos anos 60, mas um artefacto de um tempo que foi tão turbulento e incerto como o nosso.

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