“Captura de poder 2.0”: reorganização pretende consolidar os 530 programas operacionais em apenas um programa estratégico por Estado-membro. Em vez de fundos separados por áreas, haveria um único envelope por país.
A Comissão Europeia propôs uma reforma do orçamento da União Europeia (UE), para vigorar a partir de 2028 com uma gestão mais centralizada em Bruxelas e nos governos nacionais.
A proposta, apresentada, segundo o Público, no contexto do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP), suscita preocupações, principalmente no que diz respeito ao futuro da Política de Coesão, uma das principais ferramentas da UE para promover o desenvolvimento regional e a redução das desigualdades entre as regiões.
O presidente do Comité das Regiões, Vasco Cordeiro, “a eliminação de todos os programas regionais e, em vez disso, a criação de um único programa nacional, como parece ser a proposta da Comissão Europeia para o próximo período de programação, contradiz frontalmente tudo o que nos foi dito nos últimos tempos sobre a Política de Coesão”, aponta ao matutino.
Um envelope por país: fim dos fundos para as várias áreas
A proposta da Comissão, elaborada sob a liderança de Ursula von der Leyen, visa simplificar a estrutura do orçamento comunitário. Uma das medidas é a redução das rubricas orçamentais de sete para quatro.
A primeira rubrica, intitulada “Resiliência, Coesão e Convergência Económica”, agrupará os fundos destinados à Política Agrícola Comum (PAC), à Política de Coesão e outros fundos de gestão partilhada com os Estados-membros; a segunda rubrica reunirá fundos de gestão centralizada, como o Horizonte Europa, o Erasmus e o InvestEU; a terceira rubrica será dedicada ao financiamento da política externa da UE, nomeadamente o apoio à Ucrânia, e a quarta será para os custos administrativos da UE.
Esta reorganização pretende consolidar os atuais 530 programas operacionais em apenas um programa estratégico por Estado-membro. Em vez de existirem fundos separados para diferentes áreas, como a agricultura, a pesca e a coesão, haveria um único envelope financeiro nacional, detalha o Público.
Esse modelo segue o exemplo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, onde cada país define o seu programa de financiamento, e os pagamentos ficam condicionados à implementação de reformas.
Concentração do poder preocupa
Embora esta proposta tenha como objetivo reduzir a complexidade administrativa e eliminar a fragmentação dos instrumentos financeiros, a concentração de poder nas administrações centrais preocupa os representantes das regiões.
As administrações centrais passariam a ser as responsáveis pela elaboração e gestão dos planos estratégicos de investimento, sem que as regiões tenham um papel decisivo neste processo. No atual modelo, as regiões têm um papel ativo na gestão e distribuição dos fundos de coesão, algo que poderá ser perdido se esta reforma avançar.
“É a captura de poder [power-grab] 2.0”, comentou uma fonte europeia citada pelo Público.
Além disso, a proposta de centralizar a gestão de fundos competitivos, como o Horizonte Europa e o InvestEU, num novo Fundo Europeu para a Competitividade, também levanta preocupações. Estes fundos, que privilegiam a excelência, não têm em conta o equilíbrio geográfico entre os Estados-membros, o que pode agravar as disparidades regionais dentro da UE.
Outro ponto de crítica é o impacto desta centralização no equilíbrio de poder dentro da UE. Grupos de pressão e lobbies, que operam ao nível nacional e europeu, podem ganhar influência, em detrimento dos atores regionais, como universidades e associações empresariais, que estão mais próximos das realidades locais. A proposta da Comissão pode assim abrir portas para um maior afastamento das regiões no processo de decisão sobre onde e como aplicar os fundos comunitários.
A proposta deverá enfrentar resistência em países federais, como a Alemanha, onde os governos regionais têm grande influência na aplicação dos fundos comunitários.
“A ser verdade, esta ideia não reforça a Política de Coesão. Enfraquece-a. E não coloca as regiões no centro dessa política. Põe-nas escandalosamente à margem”, considera ainda Vasco Cordeiro.