Uma equipa de especialistas encontrou e analisou uma rara oração do século XVI que pertenceu a uma propriedade privada inglesa. O documento é um valioso contributo sobre o “culto da Cruz” cristão da Inglaterra medieval.
Agora em mãos privadas, e anteriormente desconhecido para os especialistas, este rolo de oração fornece novas perceções sobre a peregrinação cristã e o culto da cruz antes da dissolução dos mosteiros de Henrique VIII. Geralmente, este tipo de orações não sobrevive – o que faz delas artefactos raros.
O estudo, publicado no Journal of the British Archaeological Association, examina as ilustrações e o texto incluídos na lista de orações, incluindo antífonas votivas (versos rituais) que mostram de que forma as pessoas rezavam na época, e como as peregrinações eram organizadas em torno de relíquias da Cruz.
“O estudo demonstra a devoção cristã na Inglaterra medieval”, explica Gail Turner, que ocupou cargos na Tate Britain e no Arts Council England, acrescentando ainda que o trabalho “dá uma visão sobre os rituais ligados a um grande crucifixo (“Rood”) em Bromholm Priory, em Norfolk, e revela uma ligação direta entre este artefacto do século XVI e uma famosa relíquia religiosa uma vez associada entre os cristãos com milagres”.
“Rood” – o artefacto com poderes milagrosos
O Priorado de Bromholm foi fundado em 1113 como um Priorado Cluniac sob o Castelo de Acre. Foi libertado do controlo do castelo em 1298 e rapidamente se tornou num centro de peregrinação popular até à sua dissolução em 1536.
O significado do Priorado de Bromholm deve-se principalmente ao grande crucifixo instalado ali, que se acreditava conter um pedaço da “verdadeira cruz” sobre a qual Cristo foi crucificado. Os devotos do Culto da Cruz na Idade Média acreditavam que o “Rood” de Bromholm tinha poderes milagrosos.
A oração do século XVI, que faz parte de uma coleção particular desde os anos 1970, tem 13 centímetros de largura, um metro de comprimento e é feita de duas peças de pergaminho que foram costuradas juntas.
De acordo com o estudo de Turner, este rolo de oração em particular, provavelmente, pertenceu a um peregrino rico, pois “reflete uma época em que os leigos (pessoas que não pertenciam ao clero) tinham uma crença real nos inimigos visíveis e invisíveis”, afirmou, citada pelo Ancient Origins.
“Para os seus proprietários, os rolos de oração (…) eram valorizados como inspirações muito pessoais para a oração, embora durante a Reforma e depois de terem sido comummente subestimados e rejeitados. A sobrevivência de um rolo tão magnífico por mais de 500 anos é, portanto, notável”, refere Turner.
O estudo relata que o rolo de Bromholm tem três imagens do Bromholm Rood desenhadas em preto e contornadas em ouro. A cruz superior tem um Cristo a sangrar pregado nela. Uma quarta ilustração é dos cravos, a coroa de espinhos e as cinco chagas de Cristo. Os pregos da crucificação são aparentemente desenhados em escala, sendo que as pontas estão vermelhas como se tivessem sido manchadas de sangue. As ilustrações são intercaladas com textos antigos escritos em latim e inglês e há uma referência direta à chamada “crosse de bromholme”.
Segundo o Heritage Daily, os admiradores tocaram e beijaram repetidamente as relíquias e as imagens de Cristo na cruz para, nas palavras de Turner, “experimentar a paixão de Cristo de forma mais direta e poderosa”.
No rolo, uma referência a John Underwood, o último prior de Bromholm antes deste ser dissolvido, ajudou Turner a datá-lo. Underwood, que era um adepto obstinado da Igreja Católica Romana, tornou-se bispo auxiliar de Norfolk em 1505 e foi obrigado a desocupar o cargo em 1535. Portanto, o rolo provavelmente foi elaborado entre as duas datas.
A representação das cinco feridas de Cristo no rolo também ajuda a conectá-lo a Underwood, cujo túmulo em Norwich também tem as cinco feridas esculpidas.
As cinco feridas não são retratadas regularmente nas igrejas de Norfolk, mas eram imagens centrais das festas da Paixão e da Exaltação da Cruz do Priorado de Bromholm, quando os peregrinos vinham adorar o “Rood”.
De acordo com Turner, o dono do rolo era alguém familiarizado com os banquetes de Bromholm. Pode ter sido um patrono do Priorado, um membro da influente família Paston de Norfolk ou um amigo de Underwood.