O economista italiano Francesco Grillo considera que a União Europeia (UE) foi construída para outros tempos, e está agora a passar validade. E agora? Como é que a União terá de se adaptar para sobreviver?
Para Ursula von der Leyen, a Europa é como um Volkswagen Carocha: um carro icónico produzido por um outrora poderoso fabricante alemão que tem tido dificuldades em adaptar-se a um novo mundo.
“A Europa tem de mudar de velocidade”, disse a Presidente da Comissão Europeia, num discurso dirigido a empresários reunidos em Davos, na Suíça, no início do ano.
No entanto, como escreve o economista e professor de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Bocconi (Milão) Francesco Grillo, numa análise no The Conversation, “este apelo não levantou mais do que uma sobrancelha”.
Afinal, Von der Leyen já repetiu o mesmo apelo muitas vezes desde que foi eleita, há seis anos. Até agora, os resultados foram escassos.
O mercado único para o comércio é a pedra angular sobre a qual a União foi construída; mas – questiona Grillo – poderá resistir às tentativas do presidente dos EUA Donald Trump de colocar as nações europeias umas contra as outras, a fim de obter o melhor negócio para si próprio?
O problema – escreve o especialista – é que Donald Trump está a levar às suas consequências mais extremas a fraqueza de um sistema que foi construído para tempos estáveis que já lá vão.
“Precisamos urgentemente de uma nova ideia, e não pode ser a de ‘Estados Unidos da Europa’. É um sonho do passado que não poderia estar mais em desacordo com o atual clima político da Europa”, aponta.
Quem são os “maus da fita”?
A Europa é incapaz de traçar um caminho para o futuro porque precisa da unanimidade dos seus Estados-membros para tomar qualquer decisão importante.
As votações nem sequer são ponderadas para refletir as diferentes dimensões de cada um dos membros do clube.
Trata-se de uma fraqueza que provocaria gradualmente a deterioração de qualquer organização internacional.
Mas, no caso da UE, a crise é mais grave porque os Estados membros abdicaram de parte do seu poder de decisão. Consequentemente, se a UE não puder atuar rapidamente, até mesmo os Estados Membros acabam por ficar paralisados.
Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, tem sido frequentemente apontado como o “mau da fita” – isto aconteceu sempre que a UE tentou aprovar sanções contra a Rússia ou ajuda à Ucrânia. No entanto, os exemplos de parasitismo abundam mesmo entre os partidos fundadores.
França, Itália e Alemanha
Durante décadas, a França resistiu a qualquer tentativa de reorganizar a política agrícola comum, que destina um terço do orçamento da UE aos agricultores, muitos deles franceses.
A Itália, por seu turno suspendeu a ratificação da reforma do Mecanismo Europeu de Estabilidade, que deveria proteger os Estados da instabilidade financeira, porque parte do eleitorado italiano considera que isso pode comprometer a sua soberania.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional da Alemanha fez descarrilar a reforma da lei eleitoral da UE que divide a eleição do Parlamento Europeu num sistema disfuncional de 27 concursos nacionais, devido à resistência do sistema político alemão a qualquer lei eleitoral que não seja proporcional.
Como salvar a UE?
A solução não pode ser a ideia bastante abstrata de uma união que avança a diferentes velocidades, em que os membros mais velhos devem fazer parte de um círculo restrito.
Também não é viável esperar a abolição da votação por unanimidade, pela simples razão de que, para renunciar à unanimidade, é necessária uma votação por unanimidade.
Em vez disso, a UE deveria tornar-se a coordenadora de várias uniões, cada uma formada pelos próprios Estados-Membros em torno de políticas específicas, sugere Francesco Grillo.
Mini-Uniões
Por exemplo, uma união poderia formar-se em torno da defesa, entre os Estados membros que estão prontos para essa parceria, como a Polónia, os países bálticos e a Finlândia.
Outra poderá reunir países que desejem colaborar em grandes projetos, como um comboio pan-europeu de alta velocidade, ou um mercado energético totalmente integrado que permita à Itália, França e Espanha poupar milhares de milhões de euros e descarbonizar mais rapidamente.
Esta situação não é inteiramente nova. Acordos como o Euro e a livre circulação de pessoas – o espaço Schengen – seguem este princípio.
Apenas um subconjunto de países da UE faz parte destes projectos e as ofertas foram mesmo alargadas para além das fronteiras da UE: o Mónaco está no Euro, por exemplo; enquanto a Noruega no Schengen; mas nenhum deles é Estado-membro da UE.
O problema destas uniões – aponta Grillo – é o facto de serem incompletas. No espaço Schengen, por exemplo, ainda não existem fronteiras comuns adequadas. O resultado são acusações recíprocas e constantes de exportação de imigrantes ilegais uns dos outros.
Francesco Grillo remata a sua análise dizendo que “o casamento entre os países da UE está manchado pela batota e por uma retórica vazia”. Esta é uma questão que não podemos continuar a evitar se a Europa quiser fazer mais do que apenas “mudar de velocidade” – como tem apontado Von der Leyen.
Como escreve o economista, a União Europeia foi o projeto político mais bem sucedido do século XX, mas parece ter passado de validade.
Se quiser continuar a sê-lo no século XXI, tem de aprender a ser flexível.
Só sobrevive quem se consegue adaptar.
ZAP // The Conversation