Avós alugam-se no Japão

Idosas oferecem competências domésticas e afetivas a famílias, diz empresa. Numa sociedade envelhecida e inclinada para o isolamento, preencher vazios tornou-se um emprego.

Num dos países que mais rapidamente envelhecem no mundo, é possível “alugar uma avó” por um dia. Pelo menos uma empresa no Japão oferece este serviço a famílias.

A ideia é que as famílias possam beneficiar das competências domésticas e da sabedoria de mulheres idosas e, ao mesmo tempo, evitar que estas vivam isoladas.

“Atualmente, 100 mulheres, com idades entre os 60 e os 94 anos, estão a utilizar as suas competências de trabalho doméstico adquiridas ao longo dos anos, bem como a sabedoria e a experiência que só uma avó tem”, refere o site da empresa Client Partners.

O serviço é aconselhado para quem tem muitas necessidades em casa. Um dos principais focos são os pais que precisam de ajuda para cuidar dos filhos em horários específicos, ou então de conselhos sobre como melhor educá-los. Mas também são apresentadas várias outras possibilidades, como obter ajuda para melhorar a relação com a sogra, aprender a costurar, preparar rituais tradicionais ou preencher o vazio deixado pela morte de uma mãe ou avó.

“Os jovens têm respeito e gratidão pelos mais velhos, que se conectam com a sociedade e encontram um propósito nas suas vidas. Como primeiro passo para uma sociedade assim, queremos oferecer serviços que tirem o maior partido da sabedoria e da experiência dos idosos que apoiaram o Japão”, continua o site da agência que liga famílias a mulheres idosas.

Solidão epidémica

Em 2020, o Japão tinha a sociedade mais envelhecida do mundo, com 28,7% da população com 65 anos ou mais, sendo a maioria mulheres. O índice para a União Europeia, em comparação, era de 20,4%. Já a média mundial era de 9,1%.

A previsão, na altura, era de que um terço dos japoneses pertenceria a esta faixa etária em 2036.

Um relatório publicado pelo Instituto Nacional de Investigação sobre População e Segurança Social do Japão, no final de novembro, concluiu que os agregados unipessoais representarão 44,3% do total no país até 2050. Este número deverá atingir os 54,1% na capital, Tóquio.

Segundo o documento, 10,8 milhões de pessoas com 65 anos viverão sozinhas em 2050 — um aumento de 50% em relação ao número registado em 2020. Já um censo realizado em 2020 apontava que 38% dos lares eram compostos por uma só pessoa, em comparação com 20% em 1985.

Kodokushi, fenómeno triste e preocupante atribuído a várias razões

A tendência de envelhecimento e redução da população acentua um problema antigo e bem conhecido — designado como solidão epidémica no país que até conta com um Ministério da Solidão. Em 2024, a polícia previa que 68 mil pessoas morreriam sozinhas em casa, sem que ninguém desse conta, segundo uma reportagem do jornal britânico The Guardian.

O fenómeno das mortes solitárias tem até um nome em japonês: kodokushi. Segundo investigadores, estas mortes ocorrem por vários motivos, incluindo uma propensão da sociedade japonesa para o isolamento.

“O aumento de domicílios unipessoais pode ser atribuído a uma variedade de razões, incluindo casamentos tardios, aumento do número de divórcios e aumento do número de pessoas que nunca se casaram“, escreveram a investigadora Kimiko Tomioka, da Universidade Médica de Nara, e colegas, num artigo científico.

Não são só avós

Segundo o estudo, a tendência explica-se por uma mudança na postura em relação ao casamento e pela impossibilidade de constituir família devido aos elevados custos financeiros.

“Tenho a oportunidade de sair e ter estas experiências e é por isso que aceitar este emprego foi a decisão certa para mim”, confessa uma “avó de aluguer” em Tóquio, à estação pública australiana ABC.

A empresa que oferece o serviço argumenta ainda que é difícil para mulheres idosas encontrarem oportunidades de emprego no Japão – algo relevante num país onde 20% das pessoas com mais de 65 anos vivem na pobreza, segundo dados de 2021 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Em 2023, o ZAP dava conta de uma solução encontrada por empresários japoneses para estas mulheres idosas, mais especificamente vítimas de Alzheimer: o Restaurante dos Pedidos Errados, onde todos os empregados têm demência.

O site afirma que o preço cobrado pelo serviço de “avó de aluguer” é de 3.300 ienes (cerca de 19,20 euros) por hora, mais uma taxa fixa do mesmo valor por visita.

A prática de “alugar” serviços prestados por grupos específicos no Japão não se restringe às avós. Existem também serviços que agenciam homens de meia-idade e outros grupos para desempenharem papéis específicos em contextos familiares ou afetivos. É possível, por exemplo, contratar alguém para fazer companhia num almoço ou para fazer de par num evento social.

ZAP // DW

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