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O que levou à queda do Império Romano? Talvez o envenenamento por chumbo

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O gosto dos romanos por adoçantes feitos com chumbo pode justificar os comportamentos dos imperadores e a eventual queda da civilização.

Invasões bárbaras, dependência da escravatura, instabilidade política, corrupção ou excessivos gastos militares são razões há muito apontadas para a queda do Império Romano. Mas será que a intoxicação por chumbo também pode ter sido um dos factores?

O chumbo é um material prático: é barato, fácil de moldar e resistente à corrosão quando exposto à água e ao ar, mas também altamente tóxico quando entra no corpo humano, podendo causar anemia, problemas nervosos ou infertilidade.

Foi já em 1943 que um estudo revelou os efeitos nefastos da exposição ao chumbo, especialmente no desenvolvimento cognitivo das crianças.

O cálcio é o veículo de comunicação dos neurónios no cérebro e o chumbo age como um substituto do cálcio. Isto desequilibra as ligações entre os neurónios, tornando-as insuficientes ou excessivas, e causando oscilações de humor e dificuldades de aprendizagem.

Apesar de serem muito avançados no ramo da engenharia, os romanos estavam muitos passos atrás da medicina moderna e não sabiam destas consequências. Usavam o chumbo para várias coisas, como canos, utensílios, panelas ou como um adoçante artificial para vinhos ou comida.

Este debate começou em 1983, depois da publicação de um estudo do investigador Jerome Nriagu no New England Journal of Medicine, que avaliou as dietas dos imperadores entre 30 A.C. e 220 D.C e concluiu que 19 dos 30 líderes romanos tinham uma preferência por comida fervida em panelas de chumbo e que muitos sofreram de gota, provavelmente causada por isso mesmo.

Investigadores que recriaram o xarope que os romanos utilizavam encontraram concentrações de chumbo 60 vezes superiores aos valores que a Agência de Proteção Ambiental Americana permite na água para consumo.

Os níveis de chumbo oscilavam entre 240 e 1000 miligramas por litro, sendo “uma colher de chá (5ml) deste xarope já mais do que suficiente para causar uma intoxicação crónica”, escreveu Nriagu.

A verdade é que os comportamentos bizarros de alguns dos imperadores podem ser vistos como sinais de intoxicação por chumbo. Por exemplo, Nero matou a própria mãe e as duas esposas, tendo assassinado a segunda ao pontapé enquanto estava grávida.

Já Calígula supostamente apontou o seu cavalo como Senador e convidava pessoas para jantar com o animal. Por sua vez, Heliogábalo torturava e sacrificava crianças e pediu aos médicos que dessem órgãos femininos a um escravo com quem tinha casado.

Mas será tudo isto uma consequência do chumbo ou apenas exemplos de imperadores consumidos pelo poder? O geoquímico Clair Patterson, cujo trabalho convenceu governos a banir a presença de chumbo na gasolina, acredita na primeira hipótese.

No entanto, John Scarborough discorda. Numa crítica ao estudo de Nriagu, o classicista apelidou o trabalho de fazer uma pesquisa desleixada, afirmando que os romanos já sabiam dos danos do chumbo e que as intoxicações não eram endémicas na civilização.

Nriagu desvalorizou as críticas. “Scarborough não entende nada, absolutamente nada, sobre envenenamentos por chumbo. Absolutamente zero“, acusou o professor emérito da Universidade do Michigan.

Uma equipa de arqueólogos e cientistas franceses tentou responder à questão levantada por Nriagu com um estudo de 2014 sobre a contaminação da água feita pelos canos.

A investigação concluiu que a água teria cerca de 100 vezes mais chumbo do que a água de nascente local, mas que era “improvável” que estas concentrações fossem “verdadeiramente prejudiciais”. O grupo sublinhou também que já foram feitas muitas críticas que invalidam a teoria de Nriagu.

Dan Diffendale/Flickr

O chumbo era bastante usado no sistema de canalização dos romanos

Num estudo de 2019, foram examinados os esqueletos da época romana em Londres. A equipa usou amostras de 30 ossos das coxas e 70 ossos da Idade do Ferro como comparação e concluíram que estes últimos tinham entre 0.3 a 2.9 microgramas de chumbo por grama enquanto que nos primeiros os valores já estavam entre 8 a 123.

Estes números podem já ter efeitos nefastos na saúde, como hipertensão, infertilidade, doenças renas, danos aos nervos, gota, entre outros. Mas de acordo com a arqueologista da Universidade de Durham Janet Montgomery, os esqueletos também absorvem chumbo e outros metais do solo.

“Não sabemos se o chumbo que mediram nos ossos se acumularam de uma pequena exposição ao chumbo ao longo de um grande período de tempo, ou se deriva de um período de grande exposição muitos anos no passado, ou uma mistura das duas opções”, explicou Janet Montgomery à Chemistry World.

A ligação de causalidade entre o chumbo e o fim da civilização romana continua a ser debatida. Resta-nos continuar a acompanhar os esforços da comunidade científica para tentar desvendar os mistérios da queda do Império.

Adriana Peixoto, ZAP //

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