Putin tem uma “fortaleza nos Alpes” (e a neutralidade na guerra é um bom negócio)

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EPA / Mikhail Klimentyev / KREMLIN

A postura neutra da Áustria perante a Rússia está a dar dores de cabeça aos parceiros ocidentais, que temem que nasça uma zona de tolerância a Moscovo entre os países da UE no leste da Europa.

A neutralidade da Áustria na guerra na Ucrânia está a ser muito rentável, tanto para Moscovo como para Viena.

A Áustria não quer ser vista como uma apoiante da Rússia pelo Ocidente, mas também não quer arruinar uma parceria que tem sido muito benéfica para o país nas últimas décadas.

Em público, Viena alinhou nas sanções da União Europeia contra Moscovo, enviou ajuda humanitária para a Ucrânia e criticou Putin por violar a lei internacional. Em privado, os laços comerciais entre os dois países continuam tão fortes como sempre.

O chanceler Karl Nehammer foi até o primeiro líder a encontrar-se pessoalmente com Putin em Moscovo após o início da guerra, em Abril de 2022. Na altura, a visita foi retratada como uma missão de paz, mas os críticos notaram que o gás russo continuou a fluir para a Áustria, ao contrário do que aconteceu na vizinha Alemanha.

Esta não é a primeira vez que a proximidade entre a Rússia e a Áustria desagrada os parceiros ocidentais de Viena, mas a guerra na Ucrânia fez subir os riscos e as pressões, escreve o Politico.

“A Áustria é certamente o ponto fraco da União Europeia sobre a Rússia”, afirma um responsável da Comissão Europeia, que aponta os riscos que esta relação traz à união na Europa contra a guerra.

Se a Hungria é bastante mais aberta na sua amizade com o Kremlin, a proximidade de Viena pode encorajar outros países a criar uma zona tolerante à Rússia, que condena publicamente Moscovo enquanto faz trocas comerciais e investimentos lucrativos com os russos nos bastidores.

Ex-Ministros rumam à Rússia

As raízes da relação entre a Áustria e a Rússia podem ser traçadas até 1955. Depois da Segunda Guerra Mundial, o país continuava ocupado e dividido pelos Aliados. Em troca da sua soberania e já num clima de Guerra Fria, os austríacos tiveram de garantir aos soviéticos que a sua Constituição estipulava a sua neutralidade, não podendo entrar em alianças ou permitir que outros países tenham bases militares no seu território.

Não foi preciso muito tempo até que os austríacos percebessem as vantagens de estarem ensanduichados entre a NATO e o bloco soviético. A 1 de Junho de 1968, a Áustria tornou-se o primeiro país da Europa Ocidental a assinar um contrato de longo-prazo com a União Soviética para o abastecimento de gás natural.

Após os soviéticos esmagarem a rebelião húngara em 1956 e a rebelião na Checoeslováquia em 1968, os austríacos começaram a temer que seriam os próximos na lista. Mas, por motivos desconhecidos, isso nunca aconteceu — e este foi um momento que definiu o rumo do resto da Guerra Fria.

Para Viena, tornou-se claro que a neutralidade é boa para os negócios. Para Moscovo, a Áustria é uma porta para o Ocidente e um lugar onde os oligarcas são bem-vindos se quiserem a nacionalidade ou se quiserem investir em propriedades nos Alpes.

Os laços são também claros quando vemos os trabalhos que muitos políticos austríacos assumem depois de saírem do Governo. Os ex-chanceleres Wolfgang Schüssel, Alfred Gusenbauer e Christian Kern foram todos trabalhar para empresas russas. Outros ex-Ministros, como Hans Jörg Schelling ou Karin Kneissl, tornaram-se consultores na Gazprom ou comentadores na RT, a televisão estatal russa.

A Rússia continua a ser o segundo maior investidor na Áustria depois da Alemanha, tendo gasto 25 mil milhões de euros, de acordo com dados do final de 2022. Muitas centenas de empresas austríacas também continuam activas na Rússia e quase dois terços planeiam ficar a longo-prazo. O banco austríaco Raiffeisen Bank International  também é o maior credor estrangeiro activo na Rússia.

Esta aliança também não dá sinais de arrefecer em breve. O Partido da Liberdade da Áustria, de extrema-direita, lidera nas sondagens desde Novembro e quer levantar todas as sanções contra a Rússia. O país vai a votos no Outono de 2024.

Adriana Peixoto, ZAP //

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