Os ricos ficam mais ricos, os pobres serão cada vez mais pobres, quem nasce com azar, morre azarado. Não é fado, é o chamado “Efeito de Mateus” — que um novo estudo acaba de provar também em ratinhos.
Um novo estudo, publicado esta quinta-feira na revista Science, explora a profunda influência dos acontecimentos do início da vida no desenvolvimento da individualidade e do sucesso, destacando em particular o papel da “sorte” na formação destas trajetórias.
Através da experiências em ratos machos geneticamente idênticos, os investigadores investigaram a forma como variações aparentemente insignificantes nas experiências do início da vida podem conduzir a diferenças significativas nos resultados na idade adulta.
O estudo, conduzido Matthew N. Zipple, investigador do departamento de Neurobiologia e Comportamento da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, revelou paralelos entre a competição biológica e as desigualdades sociais, deixando claro como eventos fortuitos podem dar origem a disparidades ao longo da vida — mesmo entre indivíduos com constituições genéticas idênticas.
Durante as primeiras fases do desenvolvimento, acontecimentos específicos podem ditar os caminhos que os indivíduos seguirão ao longo da vida, colocando-os em trajetórias que podem divergir rápida e acentuadamente.
Este fenómeno é particularmente aplicável em animais sociais como os ratos, onde a competição por recursos e posição social é um elemento crítico de sobrevivência.
O estudo salienta que pequenas diferenças nas condições iniciais, quer resultem da disponibilidade de recursos, de fatores ambientais ou de interações sociais, podem ser amplificadas num contexto competitivo.
A investigação sublinha o “Efeito Mateus“, um conceito amplamente reconhecido na sociologia, que postula que quem obtém vantagens iniciais tende a acumular vantagens ainda maiores ao longo do tempo.
Este princípio ilustra como pequenas vitórias podem ser uma bola de neve, levando a disparidades acrescidas nas circunstâncias de vida de um indivíduo, explica a Bionegineer.
No contexto do estudo, verificou-se que os ratos machos que tiveram interações bem sucedidas numa fase inicial beneficiavam de melhor acesso a recursos, melhor saúde e maior sucesso reprodutivo, agravando as suas vantagens iniciais.
O estudo conduzido por Matthew Zipple (e não poderíamos encontrar melhor nome para um cientista que estuda o Matthew Effect) envolveu a observação meticulosa dos padrões de crescimento de ratos machos de vida livre criados em vários microambientes.
“Obtivemos ciclos de feedback competitivo“, explica Zipple, citado pela Phys.
“Começámos com dois indivíduos geneticamente idênticos, e através de competição social, obtivemos uma divergência entre os animais que ganham constantemente — e que, por isso, têm mais probabilidades de ganhar no futuro — e os que perdem constantemente — e por isso, com mais probabilidades de perder no futuro”.
Por exemplo, explica Zipple, descobrir um abrigo no início da vida pode ser uma pequena vitória para um rato macho. Quando outro rato macho encontra esse abrigo, o primeiro rato já conhece a área, o que aumenta a probabilidade de ganhar uma luta. Ganhar essa interação é importante para o resto das suas vidas.
“Quando dois machos estão a competir um com o outro, o vencedor dessa competição tem agora uma vantagem sobre o outro macho“, diz Zipple. “Podem ter começado da mesma forma, mas agora, através de algum tipo de interação baseada no acaso, um deles é agora o vencedor, o outro é o perdedor.”
As condições controladas permitiram aos investigadores isolar variáveis específicas que afetam o desenvolvimento destes animais, permitindo-lhes assim tirar conclusões mais definitivas sobre as influências em jogo.
As descobertas do estudo indicam que os contextos competitivos servem para exagerar diferenças iniciais, mesmo triviais, criando um efeito de cascata que altera permanentemente as trajectórias dos envolvidos.
Em contrapartida, as fêmeas dos ratos estudados não apresentaram os mesmos padrões de amplificação de contingências, sobretudo porque não entram em competição direta por recursos.
Esta divergência sugere que as dinâmicas sociais diferem fundamentalmente entre os sexos nos mamíferos, com os machos a enfrentarem frequentemente um maior grau de competição que molda os resultados do seu desenvolvimento de forma mais pronunciada.
Os investigadores sublinham que a imprevisibilidade e as experiências incontroláveis são fatores críticos de variação nas experiências de vida, sugerindo que mesmo diferenças mínimas podem conduzir a divergências substanciais ao longo do tempo.
O estudo levanta ainda questões intrigantes sobre a forma como as primeiras experiências podem influenciar a hierarquia social e a afetação de recursos em contextos ecológicos mais amplos.
Em conclusão, não é uma questão de fado nem uma verdade de La Palisse. É um facto científico universal, explicado pelo Efeito de Mateus — a que até os ratinhos se têm que sujeitar: quem nasce com sorte… tem mais sorte.