“Praticamente um ano perdido.” Marcelo, a maioria “cansada”, os melões e a desilusão da Igreja

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António Cotrim / LUSA

Marcelo Rebelo de Sousa

Presidente da República disse não haver uma alternativa ao Governo, já que politicamente os partidos que a poderiam protagonizar não se entendem.

A celebrar sete anos desde que entrou no Palácio de Belém como Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa concedeu ontem uma entrevista à RTP e ao Público, onde abordou os principais temas da atualidade com uma acutilância que há muito não lhe era vista — talvez desde que abandonou o posto de comentador político.

Após meses de instabilidade no Governo, com múltiplos “casos e casinhos“, Marcelo Rebelo de Sousa deu o seu veredito: esta é uma maioria “requentada” e “cansada” por nascer de seis anos no poder, mas também por fatores externos como a guerra que condicionaram seriamente o ação dos governantes.

“Durante seis meses, presidentes e primeiros-ministros trataram da guerra. Guerra, guerra, guerra e energia. Eram mais urgentes ajudas sociais imediatas.”

Para o Presidente da República, o Governo só entrou em funcionamento verdadeiramente em setembro, com a saída de Marta Temido, mas também com o anúncio das ajudas sociais.

Esse período antecedeu outro de grande instabilidade, com os as polémicas que atingiram o Governo, o que leva Marcelo Rebelo de Sousa a designar este ano como um “praticamente perdido“.

Outra das críticas deixadas ao Executivo de António Costa tem que ver com a gestão do “dia-a-dia e, portanto, a olhar para o curto prazo e não para o médio e longo prazo”.

O presidente considera no entanto que ainda não há “uma alternativa política”, embora possa já haver uma “maioria aritmética de direita“.

Marcelo Rebelo de Sousa entende que os próximos meses serão chave para se perceber a dinâmica da inflação, a qual não espera que regresse aos níveis pré conflito na Ucrânia, mas que pode diminuir para metade. Desta evolução, ressalva, vai depender a forma como o Governo vai conceder mais ajudas sociais.

Sobre um pacote de medidas anunciado recentemente, o Mais Habitação, sobre o qual o Presidente da República tem algumas reticências. Depois de dizer que o programa era como um “melão“, Marcelo considera agora que há dois, o do Governo e o do PSD.

“Do melão do Governo nós já podemos retirar algumas ideias, e a primeira ideia é que dar sete dias para discutir não sei quantos diplomas, depois de sete anos de espera, é uma coisa do outro mundo.” Já do melão do PSD, ” há um pacote apresentado, mas ainda não há diplomas, foi mais recente”.

Apesar do oceano ideológico que separa as duas propostas, Marcelo conseguiu encontrar pontos convergentes.

“Em matéria administrativa, simplificação, flexibilização, licenciamentos, desburocratização, no que diz respeito a construção, nomeadamente para habitação. Há espaço para conversa. Nos incentivos fiscais à iniciativa privada, há espaço para conversa. É evidente que o PSD vai mais longe do que o PS, mas há espaço para conversa”, diz Marcelo Rebelo de Sousa.

“Na necessidade de aumentar o investimento público em habitação, o que está no PRR e para além dele e de 2026. Aí o Governo vai mais longe, o PSD é menos publicista e estatista, mas ambos convergem na ideia”, acrescenta o presidente.

Sobre a polémica medida do arrendamento coercivo, o Presidente da República considera que é importante densificar os termos, de forma a não ir contra o que está escrito na Constituição, mas também garantir que as propostas são concretizáveis.

É muito bonito fazer leis, mas depois as leis não se aplicam. O pacote do Governo, no arrendamento coercivo, baseia-se em duas ideias: a primeira é que são os municípios que vão descobrir as casas devolutas. Já se percebeu que os municípios não vão descobrir. Tenho dúvidas de que o processo não comece mal.”

Tempo de serviço dos professores

Quanto às sucessivas greves que têm varrido o país, Marcelo Rebelo de Sousa demorou-se na questão dos professores, classe que está atualmente em negociações com o Governo. Segundo o Presidente da República, há “questões fundamentais”, como é o caso da recuperação do tempo de serviço perdido, um processo que deve acontecer de forma parcial e faseada.

“[O descongelamento do tempo de serviço] é uma parte fundamental da luta. Isto é, acho que o caminho é negociar. O Governo faz mal se romper. Os sindicatos fazem mal se romperem as negociações ou se esticarem para além de um determinado limite aquilo que é sua luta.”

Marcelo Rebelo de Sousa vê a recuperação integral do tempo de serviço como impossível neste momento, mas lembrou que “já houve alguma recuperação noutros tempos de dois anos e tal”. Como tal, lançou o mote “porque não fasear a recuperação…” Outro ponto que o Presidente considera importante é a correção das desigualdades entre os professores, já que os mais novos dificilmente conseguirão chegar ao topo da carreira.

A nova tipologia de greves, não correspondente a um dia de aulas mas a um tempo, também levanta dúvidas a Marcelo Rebelo de Sousa, que fala em ajustamentos face aos tipos de formas de luta específicas, as “clássicas”.

As alterações, defende, têm de estar previstas na lei, de forma a “tornar previsível a vida das pessoas“. “A sociedade, os pais, os demais membros da comunidade educativa, a realidade local têm de saber as linhas com que se cosem.”

A desilusão com a Conferência Episcopal

A entrevista terminou com duras críticas à Conferência Episcopal pela reação “incompreensível, tardia e alheia à responsabilidade” às denúncias da comissão independente que apontam para a existência de quase cinco mil vítimas. Questionado sobre se os padres suspeitos de abusos devem ser suspensos preventivamente, Marcelo foi taxativo. “Isso é óbvio.”

De seguida, enumerou alguns pontos em que considera que a Conferência Episcopal ficou aquém: no tempo: demorou 20 dias a reagir numa coisa que era imediata; ao não assumir a responsabilidade; ao não tomar medidas preventivas relativamente àqueles que se encontram envolvidos na investigação criminal; e na reparação.

Marcelo Rebelo de Sousa fez ainda questão de sublinhar que esta posição sua é feita na qualidade de Presidente da República e não como católico, já que aí “seria mais contundente ainda”. “Como Presidente da República a expectativa que havia era tão simples. Era ser rápido, assumir a responsabilidade, tomar medidas preventivas e aceitar a reparação. E de repente é tudo ao contrário.

ZAP //

3 Comments

  1. Não se compreende nem se pode aceitar a inatividade do Presidente da Repúblico perante tudo aquilo a que temos assistido . O maior desgoverno de que há memória em Portugal. Não sei como é que poderia ser pior.

  2. O PS é um partido sem futuro. O Costa é o que se vê. Os delfins são o Medina, o Pedro Nuno Santos e o Galamba! Venha o diabo e escolha.

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