O conhecimento da Austrália por navegadores portugueses no século XVI, antes da descoberta oficial em 1606, é algo que os historiadores mundiais concordam, mas falta uma prova definitiva dessa descoberta, afirmou à Lusa o historiador Paulo Sousa Pinto.
Autor do livro “Os Portugueses descobriram a Austrália?“, que inclui 100 perguntas sobre factos dos Descobrimentos Portugueses, o historiador minimiza o anúncio recente da descoberta de um desenho de um canguru num manuscrito português do século XVI, da autoria de uma freira de Caldas da Rainha, um indício de que o animal, natural daquelas paragens, já era conhecido em Portugal.
“A figura do canguru é uma prova um pouco decepcionante e mesmo bizarra“, também porque está inscrita num livro de orações e não num relato de viagens, reconheceu o historiador, que se mostra céptico com a teoria, já que era necessário que o navegador em causa que tivesse passado a informação da anatomia, com rigor, para o outro lado do mundo.
“A gente vê sempre aquilo que quer ver”, disse o historiador, que contesta também uma teoria do historiador Peter Trickett, de que terá existido uma expedição, em 1522, de uma armada liderada por Cristóvão de Mendonça, que descobriu o continente australiano.
“Isso sim é que parece um pouco uma história enfabulada” porque “não há provas da armada” nem é “razoável” que, “para descobrir um sítio do outro lado mundo, partissem os barcos de Lisboa” e não da Índia, onde já existia uma base portuguesa.
“O possível descobrimento da Austrália é uma questão que suscita grande curiosidade e grande interesse“, mas a realidade é “mais complexa” que outras descobertas como a América ou o caminho marítimo para a Índia.
“A presença portuguesa, no século XVI, no território australiano é possível e muito provável” mas “foi ‘ad hominem'”, sem ser em nome da Coroa portuguesa, através de “gente ligada ao comércio de Malaca”, provavelmente até com “marinheiros portugueses em navios chineses”.
O oceano, naquela zona, era um “imenso mar português“, englobando Malaca, o arquipélago indonésio, a China, Timor e a Malásia, mas “aquela terra, a Austrália, não tinha nenhum interesse comercial” para o tipo de atividade que se praticava à época.
“Claro que chegaram portugueses àquela terra, eram comerciantes e gente que andava por ali e fazia o seu negócio mas não deixaram registo“, salientou Paulo Sousa Pinto.
No entanto, o historiador português reconhece que para a Austrália é “importante definir o momento da sua descoberta” oficial, algo em que é apontado o nome do navegador holandês Willem Janszoon. Mas mesmo para a Holanda, “aquilo não interessava” e só com o inglês James Cook, já no século XVIII, é que “há uma exploração concreta do Pacífico e uma reclamação do território para uma Coroa” europeia.
Canguru entre as orações
O manuscrito, agora apontado por muitos como a prova da descoberta portuguesa da Austrália, foi comprado pela galeria Les Enluminures, de Nova Iorque.
Em resposta à Lusa, a Galeria, através da investigadora Laura Light, considera ser um dos “desenhos mais antigos de um canguru”, que faz “pender para Portugal a descoberta da Austrália, séculos antes” do anúncio oficial da Holanda.
O manuscrito, comprado a um vendedor português de livros antigos e avaliado em 11 mil euros, irá fazer parte de uma mostra em Nova Iorque, dedicada ao tema “Canções sagradas: cantar a bíblia na Idade Média e na Renascença”, entre 24 de Janeiro e 21 de Fevereiro.
No topo do manuscrito, está registado o nome Catarina de Carvalho e, dentro de várias letras, que iniciavam as páginas ou capítulos, estavam vários desenhos de animais, figuras mitológicas e sinais da “época dos Descobrimentos”, algo que era típico à época, refere à Lusa a investigadora.
/Lusa