“É muito fácil iniciar uma ação coletiva” em Portugal. Mas será que este sistema está a promover um acesso justo à justiça? Ou simplesmente a permitir litigância excessiva?
Portugal é líder em ações coletivas na União Europeia, de acordo com um relatório recente da CMS, no âmbito do Simpósio Global de Ações Coletivas, que terá lugar em Lisboa nos próximos dias 12 e 13 de novembro.
Segundo a sociedade internacional de advogados, o Reino Unido é o principal mercado de ações coletivas da Europa, seguido de Portugal, cujos processos passaram de 5% do total da Europa em 2020 para 23% em 2023.
Historicamente, as ações coletivas eram mais comuns nos EUA, no Canadá e na Austrália, mas a recente adesão da Europa — marcada por processos coletivos como do Reino Unido em 2015 e a Lei WAMCA dos Países Baixos em 2020 — alteraram esta paisagem.
Hoje, uma diretiva relativa às ações representativas da UE obriga os Estados-Membros a estabelecerem quadros para as ações coletivas até meados de 2023.
Embora tenha sido estabelecida na década de 1960, a estrutura das ações coletivas em Portugal só ganhou impulso nos últimos anos devido a uma combinação de alterações regulamentares e à ascensão de grupos de consumidores e de empresas internacionais de litigação.
“Temos um mercado cada vez mais regulado e mais orientado para o consumidor“, diz Sofia Vaz Sampaio, responsável pela área de contencioso e arbitragem da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, citada pela CDR.
O sistema do país é favorável aos requerentes, com um mecanismo de opt-out que permite ações coletivas sem participação individual, e não tem uma fase de certificação preliminar, o que facilita o início dos processos — uma estrutura cada vez mais presente, nomeadamente em ações anti-concorrenciais, por exemplo, contra os gigantes tecnológicos Apple e Google.
Mas será que este sistema está a promover um acesso justo à justiça? Ou simplesmente a permitir litigância excessiva?
“É claramente uma jurisdição favorável aos demandantes e a conjugação destes fatores levou à apresentação de dezenas de ações coletivas nos últimos dois anos”, começa por dizer a advogada, “é claramente uma das principais caraterísticas que tornaram a nossa jurisdição numa jurisdição muito atractiva e amigável para os requerentes”.
“É muito fácil iniciar uma ação coletiva“, uma vez que não há uma fase preliminar de certificação. Mas a especialista alerta — a quota de 23% de Portugal nas ações coletivas europeias poder ser um sinal de falta de salvaguardas contra abusos.
“Um sistema forte deve simultaneamente garantir ou melhorar o acesso dos cidadãos à justiça, mas deve também garantir salvaguardas adequadas para evitar litígios abusivos. Quando se chega a este tipo de números, é evidente que não se está a ser bem sucedido a evitar litígios abusivos”, acredita, apesar de considerar que “algumas jurisdições estão a ser mais cuidadosas, mais restritivas, na aplicação da diretiva”.
Os apelos à reforma, incluindo uma potencial mudança do opt-out para o opt-in, poderiam ajudar a reduzir os casos desnecessários e refletir o interesse genuíno dos cidadãos nas ações coletivas, diz ainda a advogada.
Outras sugestões incluem o aperfeiçoamento das regras processuais e a clarificação da regulamentação do financiamento por terceiros, que só recentemente passou a ser objeto de supervisão formal.