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Porto em guerra por estátua de Camilo abraçado a mulher nua

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HombreDHojalata / wikimedia commons

Estátua de Camilo Castelo Branco no Porto agarrado a mulher nua.

Estátua de Camilo Castelo Branco no Porto.

A estátua de Camilo Castelo Branco agarrado a uma mulher nua que está no Largo Amor de Perdição, no Porto, está no meio de uma controvérsia. O presidente da Câmara, Rui Moreira, ordenou a sua retirada após uma petição que a considera “pornográfica”. Mas há outra petição contra a sua remoção.

Várias personalidades do Porto juntaram-se numa petição pública para pedirem a retirada da estátua de Camilo Castelo Branco do outrora Campo Mártires da Pátria que foi renomeado Largo do Amor de Perdição, em homenagem à obra mais conhecida do escritor.

A petição reúne 37 signatários, nomeadamente o escritor Mário Cláudio, a vereadora da CDU na autarquia Ilda Figueiredo e o advogado e ex-político do CDS António Lobo Xavier, que justificam o desejo de retirada da estátua com o “desgosto estético” e a “desaprovação moral”.

“O grande amor de Camilo foi Ana Plácido, cuja memória não merece o ultraje de se pôr o génio do “Amor de Perdição” e das “Novelas do Minho”, abraçado a um exemplar mais ou menos pornográfico“, apontam os autores da petição.

Assim, pedem “o favor higiénico de mandar desentulhar aquele belo Largo de tão lamentável peça”, para ser despejada “onde não possa agredir a memória de Camilo”.

Rui Moreira enviou esta petição para o vereador do Urbanismo, Pedro Baganha, acompanhada de uma nota que solicita a retirada da estátua.

“Não tendo havido qualquer deliberação municipal para erigir tão deselegante obra, e concordando com o que tão ilustres cidadãos nos suscitam, solicito que se proceda à remoção daquele objecto, que deverá ficar nas reservas municipais”, aponta o presidente da Câmara do Porto, segundo transcrição do Jornal de Notícias (JN).

Nova petição defende estátua (e teme vontade de esconder outras)

A escultura em bronze, com quatro metros, foi oferecida pelo artista Francisco Simões à cidade do Porto em 2012, ano em que se assinalaram os 150 anos da publicação de “Amor de Perdição”.

Foi inaugurada em 2012 em frente à Cadeia da Relação, local onde Camilo Castelo Branco e Ana Plácido estiveram presos, acusados do crime de adultério.

Nesse ano, o presidente da Câmara do Porto era Rui Rio, do PSD.

Onze anos depois dessa inauguração que foi pacífica, a estátua abre uma guerra na Invicta e já há uma nova petição que apela à não retirada. Em poucas horas, esta iniciativa juntou mais de 2 mil assinaturas.

O autor desta petição cuja identidade é desconhecida nota que a estátua existe “há 11 anos” e que Camilo surge abraçado a uma jovem nua “nada pornograficamente”.

“O homem estar vestido e a mulher estar nua, não tem que parecer, só agora, ao fim de 11 anos, que se trata de uma humilhação da mulher desnuda em favor de um homem vestido. Não pareceu na altura, não parece hoje“, aponta-se na petição.

Assim, os signatários apelam para que a estátua seja “mantida no local em que está”, até para “não haver vontades de começar a remover ou esconder outras”. “São factos com passado, com História, que não podem – não devem – ser “apagados ou removidos””, concluem.

Contudo, para Ilda Figueiredo, uma das defensoras da retirada da estátua, está em causa uma “desigualdade” e um “desrespeito” para com Ana Plácido, de quem fala como sendo “corajosa e lutadora”, sublinhando que merece ser “respeitada”, conforme declarações ao JN.

“Deviam estar os dois nus ou vestidos”, defende ainda a vereadora da CDU.

“Rui Moreira trata a estátua como trata o futebol”

A situação deixa o artista que criou a escultura “perplexo”, como assume em declarações à RTP1, onde deixa farpas a Rui Moreira, sublinhando que “o senhor presidente da Câmara trata a estátua como trata o futebol“.

Ninguém me contactou. O senhor presidente devia ter tido essa sensibilidade”, acrescenta Francisco Simões.

O autor da escultura também repara que se for mesmo retirada do Largo, a obra deve ser-lhe reenviada e não encaminhada para as reservas municipais.

Quanto à petição de quem defende a retirada da estátua de Camilo, Francisco Simões refere, já em declarações ao Público, que é um texto “lamentável” e que “revela desconhecimento”. “Sempre disse que a mulher era simbólica – representa a mulher do romance Amor de Perdição. Não é, nunca quis ser, um retrato de Ana Plácido”, conclui.

Susana Valente, ZAP //

9 Comments

  1. Petição organizada por pessoas púdicas e puritanas. Essas sim deveriam deixar as funções que cumprem e deixar a liberdade de expressão/ artística a ocupar o seu espaço.

  2. Informação adicional: Ilda de Figueiredo voltou atrás na sua opinião depois de ouvir as explicações do autor da escultura. Ilda disse agora que não deve ser removida a estátua.
    Espero que muitos outros repensem a sua posição absurda, na qual usaram o argumento bafiento do seu “gosto pessoal” e de uma pretensa ofensa à dignidade da mulher. Essas pessoas só conseguiram o apoio da câmara porque há um presidente da câmara que julga ser o proprietário da cidade. Se os cidadãos forem ouvidos, a esmagadora maioria dirá que a estátua deve manter-se. É uma questão de liberdade. E o Porto é conhecido pela defesa da liberdade, independentemente das ideologias vigentes em cadsa momento da sua História.

  3. Vamos também pedir para remover a Venus de Milo do museu do Louvre, o David da Galeria da Academia de Belas Artes de Florença e todas as obras que revelam nudez. Qualquer dia estão vem uma petição para remover a Pietá da Basilica de São Pedro.
    Enfim, mais um pouco seguimos o exemplo dos EUA e alteramos os livros de contos.

    Por favor….

  4. Como se não tivéssemos problemas bem mais importantes para contestar . Isto só tem un objetivo ; adormecer as mentes e desviar as atenções , mas ainda bem que este sedativo não funcionou !

  5. Em meu entender é um não assunto, uma distração. Espero nunca passar a ser verdadeiramente um assunto. 37 pessoas apelidadas de “puritanas” e as duas mil assinaturas da petição não representam nada, face à população do município do Porto e muito menos face à totalidade da população portuguesa.

  6. Se Rui Moreira (em quem votei 2 vezes) se preocupasse antes com o estado lastimável em que a cidade do Porto está devido à simultaneidade de múltiplas obras rodoviárias ( entre as quais uma mais que questionável linha de “metro” Boavista-Marechal”, a colocação de “mecos assasinos” em tudo o que e rua, o edifício “escarro arquitectónico “ na marginal do rio ao lado e da altura da Ponte da Arrábida, etc, etc) talvez demonstrasse maior sensibilidade sutárquica, inteligência, e espírito cívico, e talvez eu não me arrependesse de nele ter votado por ser “um independente” mas visivelmente muito aquém de outro Rui ( Rio), esse sim que deixou obra e foi uma exceção nas teias da corrupção autárquica e política.

  7. A mulher nua é obviamente uma representação simbólica e não se refere a Ana Plácido nem a outra mulher em particular. Não compreendo como pessoas que admiro, como Mário Cláudio e Ilda Figueiredo, se deixam envolver numa “pastelada” censória deste calibre.

  8. Qualquer pessoa nua, seja de que sexo for, perante outra pessoa vestida configura o objecto (numa relação de poder): exposta, vulnerável, à disposição de… O argumento de que não se trata de Ana Plácido, mas sim de uma representação simbólica das mulheres não resolve – antes pelo contrário – este efeito de subalternização.
    Ou seja: a questão não tem a ver (para mim) com qualquer puritana pudicícia (que sustentaria argumentos contra qualquer nu) e sim com a capacidade de equacionar ou de questionar um dos muitos papéis ideológicos da arte e da representação – a reprodução, ou mesmo o reforço, de ideologias. Neste caso, as que sustentam e se baseiam em dicotomias que estruturam as relações de poder, como, entre outras, sujeito/objecto, senhor/escravo e, já agora, historicamente, homem/mulher.
    Como gosto de acrescentar nestas discussões, isto não significa necessariamente que exista a vontade do artista, enquanto indivíduo, de perpetuar estas oposições – significa “apenas” que estamos cercados de representações que condicionam a nossa visão do mundo, da vida, dos outros.

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