Não era comum fazer-se a contagem decrescente até aos anos 60 e 70. A única celebração conhecida eram os beijos à meia noite de 31 de dezembro.
As contagens, tal como as conhecemos hoje, servem muitos propósitos. A contagem decrescente da passagem de ano pode ser caracterizada como uma “contagem decrescente genérica”. Depois de o tempo se esgotar, começa de novo.
Segundo o Smithsonian, a espera pelo Ano Novo e pelas suas resoluções é, normalmente, otimista e esperançosa. Mas também existe a “contagem decrescente apocalíptica”, na qual após o tempo esgotar, se segue uma catástrofe.
Hoje, perguntamo-nos quanto tempo nos resta até à próxima variante da covid-19, catástrofe natural ou ataque terrorista. Ambos os tipos de contagem decrescente surgiram durante a Era Atómica.
Embora a perspetiva de um desastre tenha sempre feito parte da vida americana, a ameaça de aniquilação nuclear criou medos existenciais generalizados.
Em 1947, o Boletim dos Cientistas Atómicos introduziu o Relógio do Juízo Final que, até hoje, oferece um balanço visual do quão perto estamos da Apocalipse. Nos anos que se seguiram, esses cientistas foram quem trouxe o termo “contagem decrescente” ao léxico americano.
Este relógio apocalíptico é atualizado anualmente, e segundo a última contagem, a Humanidade nunca esteve tão perto do fim do mundo: em janeiro deste ano, o relógio estava a 100 segundos da meia-noite.
Um artigo do San Francisco Examiner, de 1953, relatou um teste de bomba atómica no deserto do Nevada. “Um oficial anuncia, num altifalante e na rádio, em intervalos regulares, o tempo restante antes da explosão. No final, ouve-se ‘menos 10 segundos, menos 5 segundos e menos 4 segundos’ e assim por diante, até ao momento da explosão”.
Alguns anos mais tarde, Alfred Hitchcock tornou a contagem atómica do filme “Four O’Clock”, de 1957, viral. Acontece na cave de uma casa suburbana, com explosivos nos minutos e segundos antes do tempo final.
As contagens decrescentes que passaram na televisão dos anos 50, reais ou fictícias, foram experiências temporais assustadoras, nas quais o tempo ia diminuindo, até se extinguir.
A 5 de maio de 1961, a contagem decrescente conseguiu a sua primeira grande associação positiva. Cerca de 45 milhões de americanos assistiram às notícias, para ouvirem a contagem decrescente do lançamento bem sucedido do primeiro voo espacial tripulado da América.
A descolagem foi seguida pelo astronauta Alan Shepard, que disse: “Roger, descolagem e o relógio já começou”. O tempo não se esgotou, como a contagem decrescente apocalíptica previa. Em vez disso, começou uma nova contagem.
A contagem decrescente associada aos lançamentos de foguetões surgiu na República de Weimar, onde o filme “Mulher na Lua“, de 1929, de Fritz Lang, apresentou uma contagem decrescente para o lançamento de um foguetão lunar.
O filme de ficção científica teve um impacto de grande dimensão nos cientistas de foguetões alemães, que após a Segunda Guerra Mundial se tornaram importantes para o programa espacial americano.
Um dos consultores do filme foi o entusiasta das viagens espaciais Willy Ley, que mais tarde imigrou para os Estados Unidos, onde trabalhou para a NASA, em lançamentos de foguetões.
Com cada lançamento de foguetões televisivos durante a década de 1960, a contagem decrescente acumulou cada vez mais associações positivas com o público.
Um dos exemplos mais conhecidos é a histórica contagem decrescente e descolagem da Apollo 11, a nave espacial que levou uma tripulação de três homens até à Lua.
A contagem decrescente, tal como a conhecemos hoje, ficou gravada na história, a 16 de julho de 1969, quando pelo menos 500 milhões de pessoas em todo o mundo pararam para ouvir uma contagem decrescente, alta e clara, que deu lugar a um marco da história mundial: a chegada do Homem à Lua.
Durante a década de 1970, a contagem decrescente passou de locais de testes atómicos e missões espaciais, para programas de rádio e televisão.
O programa musical australiano “Countdown”, que estreou em 1974, inspirou programas semelhantes nos Estados Unidos e na Europa.
Ao fazer uma contagem decrescente para o último maior sucesso, estes espetáculos abrandaram a corrida do tempo e marcaram o passado recente.
O seu terreno não era o tempo, mas sim “o melhor” ou “o mais popular”, e passando a ideia de “zero” para “número um”.
No jogo britânico “Countdown”, por exemplo, os concorrentes tentavam completar problemas de números e de palavras, num determinado período de tempo.
Um relógio analógico de grandes dimensões, que fazia lembrar o Relógio do Juízo Final, estava posicionado no cenário do jogo.
Assim, os concorrentes vencedores mostraram que a corrida contra o tempo pode ser ganha, e que o desastre pode ser evitado.
O apocalíptico e a contagem decrescente genérica acabaram por dar lugar à última contagem decrescente comemorativa, a do Ano Novo.
Os americanos celebravam a passagem de ano de várias maneiras, a partir da década de 1890, inclusive com o tocar dos sinos das igrejas à meia noite.
A primeira queda da bola em Times Square aconteceu em 1908 e, nas décadas de 1930 e 1940, as emissões de rádio comerciais anunciavam a chegada do Ano Novo.
Mas a primeira contagem decrescente para o fim do ano deu-se no final da década de 1950. Durante os últimos segundos de 1957, o locutor Ben Grauer contou na rádio nacional “58 está a caminho, 5, 4, 3, 2, 1. A bola está a começar a deslizar pelo poste, e é sinal de que ’58 está aqui”.
Durante a década de 1960, Grauer tentou introduzir na televisão a contagem decrescente do Ano Novo, como uma forma de prolongar o que era, afinal, um evento de extrema curta duração.
Ainda assim, enquanto se conseguia ouvir a multidão a aplaudir as emissões, não se juntavam a ele na contagem decrescente.
A “New Year’s Rockin’ Eve” de Dick Clark, que estreou a tempo de inaugurar em 1973, apresentava encenava festas de dança na passagem de ano e também faziam a contagem decrescente, mas nem sempre em sincronia com a queda da bola em Times Square.
De acordo com as transmissões de rádio e televisão e as reportagens dos jornais, apenas segundos antes da chegada de 1979 é que uma multidão fez a contagem decrescente para o novo ano, em Times Square.
A partir daquele momento, era evidente que a cultura da contagem decrescente tinha chegado, e estava aqui para ficar.
No final dos anos 80, foram instalados relógios de contagem decrescente em Times Square, as televisões começaram a mostrar o tempo que restava até à meia noite, e os apresentadores guiaram audiências através da contagem.
No entanto, à medida que 2000 se aproximava, algo diferente aconteceu. Os relógios de contagem decrescente do milénio proliferaram em todo o mundo, embora 2000 não fosse o milénio, acompanhados de receios apocalípticos sobre o fim do mundo, ou sobre o Y2K, a muito debatida queda da rede global de computadores.
As duas primeiras décadas do século XXI têm-se dividido entre a contagem genérica e a contagem apocalíptica.
Por exemplo, tanto existem os relógios de contagem decrescente para os Jogos Olímpicos, como o Relógio Climático. Os relógios de contagem decrescente estão hoje normalizados para qualquer tipo de evento.
Desde os relógios digitais personalizados de “Contagem Decrescente até ao Seu Grande Dia”, que podem ser incorporados nas redes sociais antes dos aniversários, até aos relógios de contagem decrescente dos autocarros e dos metros, que informam o tempo de espera dos transportes.
Seja pessoal ou público, o objetivo do relógio é atenuar a impaciência, substituir a incerteza pela antecipação, e preencher o tempo de espera em branco, por um período de tempo quantificado.
A contagem final para a meia noite de 31 de dezembro tornou-se também habitual nas televisões portuguesas. Assim, logo à noite, pode contar com o tradicional 10, 9, 8… interrompido provavelmente a dois segundos do fim do ano, com uma sugestão de bebida — ou outro produto qualquer.