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A pior inflação do mundo: o país onde os preços duplicavam a cada 15 horas

Taki Steve / Flickr

Quando o poeta e romancista Gyorgy Faludy voltou à Hungria em 1946, após uma ausência de 8 anos, encontrou um país completamente dilacerado pela guerra.

Budapeste, a capital onde ele nasceu e cresceu, era uma cidade de escombros, pontilhada de cadáveres parcialmente enterrados e esqueletos de edifícios.

Mas houve outras mudanças menos visíveis.

Pouco depois do seu regresso, a sua editora pagou-lhe por uma nova edição de um dos seus livros 300 mil milhões de pengős, a moeda da época.

Parece uma quantia enorme, mas tudo o que ele conseguiu comprar foi um frango, dois litros de óleo e alguns vegetais. E se tivesse esperado até à tarde do mesmo dia, já não seria o suficiente nem para isso.

A Hungria estava nas garras da pior inflação já registada. No auge, ela chegou a 41.900.000.000.000.000%. Na vida quotidiana, isso significava que os preços médios duplicavam aproximadamente a cada 15 horas .

Quando a espiral de preços foi controlada, o valor total de todo o dinheiro em circulação no país era uma fração de um cêntimo norte-americano.

Como era antes

Assim como outros países europeus, a Hungria sofria com as consequências da Segunda Guerra Mundial, na qual, inicialmente, tinha estado fortemente ao lado do Eixo, participando inclusive do ataque de 1941 à União Soviética.

No final do conflito, a economia do país estava em frangalhos. Os alemães levaram cerca de mil milhões de dólares em mercadorias para fora do país. Metade da sua capacidade industrial foi destruída e, do que restou, 90% tinha danos.

A maioria das ferrovias e locomotivas foi destruída. O que tinha uso foi tomado pelos nazis ou soviéticos. Todas as pontes sobre o rio Danúbio em Budapeste estavam fora de serviço, assim como a maioria das suas estradas.

70% dos edifícios em Budapeste foram total ou parcialmente transformados em escombros. A produção agrícola caiu quase 60%.

Além de tudo, quando assinou o armistício, a Hungria concordou em pagar indenizações de 300 milhões de dólares (mais de quatro mil milhões de dólares em valores atuais) aos soviéticos, jugoslavos e checoslovacos.

E não houve empréstimos do Plano Marshall para ajudar os húngaros na sua recuperação, dado estarem sob a alçada soviética.

Como resolver?

Sem contar com o dinheiro de impostos, o governo húngaro decidiu estimular a economia imprimindo mais dinheiro — apesar da necessidade de fazer um empréstimo para pagar a tinta importada da impressão das cédulas.

Com eles, o governo contratava trabalhadores diretamente, fornecia empréstimos aos consumidores e dava dinheiro às pessoas.

Concedeu empréstimos a bancos a taxas baixas, que, por sua vez, emprestaram a empresas do país.

O país foi inundado de dinheiro.

E o dinheiro acabou afogado em zeros.

Caleidoscópio de pengős

O pengő, moeda que tinha sido adotada como uma das medidas para controlar a primeira hiperinflação sofrida pela Hungria no século XX, após a Primeira Guerra Mundial, entrou em queda livre.

A inflação era tão excessiva que os zeros se acumulavam ao ponto do absurdo.

Em 1944, o valor mais alto da nota era de 1.000 pengős. No final de 1945, eram 10 milhões de pengős.

Numa tentativa de simplificação, surgiram o milpengő, equivalente a 1 milhão de pengős.

Isso deu lugar a denominações bizarras como 100 milhões de milpengős, ou 100 trilhões de pengős e mil milhões de milpengős, ou seja, 1 trilião de pengős. Logo, foi necessário emitir o B-pengő, equivalente a um bilião de pengős.

Isto multiplicou-se até 11 de julho de 1946, quando o Banco Nacional da Hungria emitiu as últimas notas de pengő: 100 milhões de B-pengős (10²⁰ =100 trilhões), a denominação mais alta em uso na história.

O banco também imprimiu notas de mil milhões de B-pengős (10²¹ = 1.000.000.000.000.000.000.000), mas elas nunca entraram em circulação.

Ao longo do caminho, uma moeda especial, a adópengő (ou pengő fiscal) também foi criada para pagamentos postais e fiscais. Devido à inflação, o seu valor era reajustado diariamente e anunciado no rádio.

A 1 de janeiro de 1946, um adópengő era igual a um pengő, mas no final de julho era igual a 2.000.000.000.000.000.000.000 pengős.

E as pessoas, como faziam?

Os salários também não conseguiam acompanhar a realidade. Assim, muitas empresas passaram a pagar em espécie, com o que produziam ou com batatas, açúcar, etc.

As fábricas têxteis, por exemplo, desenvolveram o seu próprio sistema salarial: pagavam em centímetros de tecido. Os funcionários então trocavam o que recebiam por outras necessidades.

O mercado negro floresceu.

“Além disso, pela primeira e única vez na história da inflação no mundo, as empresas tiveram que fornecer certa quantidade e qualidade de alimentos, determinadas pelas necessidades calóricas semanais dos trabalhadores e os seus familiares dependentes”, explica Béla Tomka, professor de Moderna História Social e Econômica da Universidade de Szeged, na Hungria.

“Embora estas medidas não resolvessem os problemas, devido à escassez de alimentos, por um tempo eles forneceram um subsídio mínimo para as massas trabalhadoras.”

À certa altura, os funcionários podiam até exigir o pagamento antes das 14h. Caso contrário, insistiam em receber o salário ajustado pela inflação no dia seguinte.

No entanto, não houve jeito: os salários reais caíram mais de 80% e, embora os trabalhadores estivessem empregados, a hiperinflação empurrava-os para a pobreza.

Como acabou?

Só uma nova moeda poderia estabilizar a situação financeira do país.

A 1 de Agosto de 1946, a Hungria introduziu o florim, reduzindo 29 zeros em relação à moeda anterior.

Mas, aparentemente da noite para o dia, a hiperinflação chegou ao fim. Aparentemente.

“Os preparativos levaram alguns meses”, diz Pierre Siklos, professor de economia da Wilfred Laurier University em Waterloo, Canadá..

“Eles guardaram o stock de alimentos para garantir que, quando a nova moeda fosse lançada, pelo menos em alguns mercados haveria uma aparência de abundância que levaria a pensar que a reforma era amplamente confiável”.

“Também houve um esforço nas semanas que antecederam a reforma para convencer o público de que acabaria a dependência do imposto inflacionário, que não haveria mais nenhum tipo de indexação e que eles manteriam essas políticas no futuro próximo.”

“Assim, eles conseguiram inspirar confiança suficiente no público para que o florim mantivesse o seu valor. E lenta mas seguramente, a atividade económica começou a recuperar.”

Um fator chave para restaurar essa confiança foi o retorno da reserva de ouro do Banco Nacional Húngaro.

Por outro lado, o Banco Central tornou-se independente e o poder de emitir cédulas foi limitado. Os bancos foram obrigados a manter reservas de 100%, os impostos aumentaram drasticamente, o número de funcionários públicos foi substancialmente reduzido.

O florim tornou-se uma das moedas mais estáveis ​​da região até a década de 1960.

Mas…

Em 1946 o cenário político e económico da Hungria já estava completamente dentro da esfera de influência soviética.

“Em maio, o líder do Partido Comunista Húngaro deu ordem para clonar parcialmente o sistema estalinista para facilitar a estabilização da moeda. Eles começaram a tomar medidas que acabariam por levar à nacionalização de empresas privadas estrangeiras e nacionais”, refere László Borhi, presidente da Peter A. Kadas e professor da Escola Hamilton-Lugar da Universidade de Indiana, EUA.

“Simultaneamente, foram introduzidas medidas para centralizar a economia, como um escritório que determinava o preço de cada produto e uma tabela que determinava o salário de cada setor da economia. Portanto, tudo foi muito, muito controlado, e isso provavelmente ajudou a conter a inflação.”

Então, podemos realmente ler de forma confiável as estatísticas de inflação?

A resposta simples é não“, diz Siklos.

“Mas acho que o sucesso inicial das reformas pode ser explicado pelo incrível conjunto de políticas que foram introduzidas na época. Então, é claro, as coisas mudariam.”

ZAP // BBC

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